A ascensão das transferências especiais: como políticos e prefeitos se beneficiam dessa nova modalidade de emendas parlamentares



Emendas parlamentares: o embate entre Legislativo e Executivo

* Texto escrito em parceria com Raul Bonfim, doutorando em Ciência Política pela Unicamp e diretor de Monitoramento de Políticas Públicas da Seplan no Piauí.

Nos últimos dias, temos acompanhado o embate entre o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT). O cerne do conflito gira em torno da liberação de emendas parlamentares, especialmente em relação às emendas de comissão, cuja execução não é obrigatória. A busca intensa do Legislativo por recursos para emendas não é nova e tampouco se restringe às emendas de comissão.

Ao longo do tempo, houve um crescimento nos valores de emendas parlamentares pagas pelo Executivo, devido a mudanças institucionais que levaram à obrigatoriedade no pagamento desses instrumentos, como a que definiu a impositividade das emendas parlamentares individuais, em 2015, e das emendas de bancada, em 2019. Isso possibilitou o aumento do volume de emendas parlamentares pagas (incluindo restos a pagar) desde 2015, conforme dados dispostos no gráfico a seguir.

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Valores de emendas parlamentares pagas por ano de execução (incluindo Restos a Pagar) – 2015-2023.


Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop).

Ainda em 2019, o Legislativo deu um passo maior no acesso e controle das emendas, por meio da aprovação da Emenda Constitucional nº 105, criando as transferências especiais, uma modalidade de repasse de recurso a estados, distrito federal e municípios, via emendas parlamentares individuais. Esses recursos não podem ser utilizados para pagamento de pessoal e encargos sociais relativos a ativos, inativos e pensionistas e nem para pagamento de dívidas, mas podem ser utilizados para demais despesas de custeio e de capital, especialmente para os investimentos.

Outra inovação das transferências especiais é que os valores são repassados diretamente ao ente federado e não dependem da realização de convênios para isso. Uma vez transferidos, os valores passam a pertencer aos entes federados. Por isso, esse tipo de transferência via emenda individual foi denominada, popularmente, de “emenda PIX”.

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Devido ao seu caráter desburocratizado, os políticos têm tido uma predileção por este tipo de transferência. Atualmente, a modalidade de transferências especiais já consome um terço dos valores destinados para emendas orçamentárias individuais. Quando são excluídos os valores para que devem ser, obrigatoriamente, destinados à saúde (50% dos recursos totais), as transferências especiais já consomem quase 70% do orçamento livre  das emendas individuais.

A modalidade de transferências especiais tem aumentado ano após ano, impactando fortemente os municípios brasileiros que dependem de repasses federais, como o FPM e Fundeb. Os recursos passam a ser estratégicos dentro das contas públicas das prefeituras, especialmente em ano eleitoral. Com o aumento da dependência dos prefeitos em relação aos deputados federais e senadores, o poder dos parlamentares também cresce.

Todavia, o dispositivo foi vetado pelo Poder Executivo, o que evidencia um protagonismo sem precedentes do Congresso Nacional na história recente do país. Os parlamentares se tornaram ainda mais centrais para os municípios em ano eleitoral. Considerando que as eleições se aproximam e que existem limites legais expressos em relação, por exemplo, ao comparecimento de pré-candidatos à inauguração de obras três meses antes do pleito, tempo, nesse caso, é literalmente, dinheiro.

O impacto das transferências especiais sobre a política local transcende o aspecto meramente financeiro. Passa a ser um recurso de poder a mais que empoderam parlamentares e, também, os atuais prefeitos.

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