Argentina enfrenta incertezas e busca refúgio no dólar enquanto receios de megadesvalorização do peso aumentam

Na última sexta-feira (20), Buenos Aires presenciou uma situação caótica no mercado paralelo de câmbio. Jornais e jornalistas argentinos relataram que não havia um preço definido para o dólar paralelo, conhecido como “dólar blue”. O receio de uma megadesvalorização do peso argentino e talvez até de um plano de dolarização oficial contribuíram para a desorientação das cotações, que variaram entre 950 a 1.500 pesos.

As incertezas em relação ao dólar paralelo só aumentaram com boatos e com as constantes fiscalizações realizadas pela Receita Federal argentina nas últimas semanas. Diante desse cenário, os argentinos têm se desfazido de ativos em pesos, o que levou a um aumento nas vendas de supermercados e varejistas em torno de 10% em setembro, em comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com o jornal “La Nación”.

No câmbio oficial, a taxa de câmbio é de 350 pesos para um dólar. Levando em consideração o acordo firmado em agosto entre o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o governo argentino, espera-se que o peso argentino sofra uma desvalorização real entre 5% e 10% até o final do ano. Com base nas expectativas inflacionárias e nas projeções do Banco Central da Argentina (BCRA), isso significaria que o dólar poderia atingir cerca de 540 pesos no final de 2023. Diante da situação de pânico no mercado, essa cotação parece insignificante.

Ao analisar as contas públicas da Argentina, é possível notar semelhanças com as do governo brasileiro. A receita líquida corresponde a 17,6% do PIB em ambos os países, e as despesas representam 19,6% do PIB na Argentina e 18,3% no Brasil. Os gastos com salários e previdência também são semelhantes. No entanto, o governo argentino investe mais em obras e subsidia setores como eletricidade, gás, transporte público e água, totalizando 2,3% do PIB.

Apesar da aparente estabilidade das contas públicas argentinas, o déficit primário previsto para 2023 é maior do que o do Brasil (cerca de 2% do PIB versus 1% do PIB). Além disso, a dívida pública argentina deve chegar a aproximadamente 89% do PIB até o final do ano, segundo o FMI.

A Argentina enfrenta uma crise monetária de longa data, marcada por inflações, repressões financeiras e calotes. Desde que se tornou membro do FMI em 1956, o país recorreu ao Fundo diversas vezes. A dolarização, embora possa trazer benefícios a curto prazo, não resolve os problemas estruturais da economia argentina. Além disso, demanda uma grande quantidade de dólares, é tecnicamente complexa e limita a capacidade do país de implementar políticas macroeconômicas.

Portanto, qualquer plano de estabilização econômica na Argentina exigirá cortes severos de gastos e subsídios, tornando-se ainda mais desafiador com a dolarização. O fim da instabilidade cambial, dos controles de capital e de preços, além da desvalorização, acarretará em grandes ajustes nos preços relativos, bem como perdas e ganhos para a população. A verdade é que existe um grande risco de quebradeira caso essas medidas não sejam adotadas com cautela.

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