Cuba e Coreia do Sul restabelecem relações diplomáticas após 60 anos de ruptura em sigilo e sem o conhecimento de Pyongyang.

Cuba e Coreia do Sul restabeleceram as suas relações diplomáticas após mais de seis décadas de ruptura. O retorno foi formalizado na quarta-feira (14) na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, onde os representantes dos países se encontraram enquanto aguardam a abertura das respectivas embaixadas.

Os dois países comunicaram a notícia do restabelecimento das relações diplomáticas de forma relativamente discreta, em linha com o sigilo que tem marcado as suas negociações nos últimos anos.

O Ministério das Relações Exteriores de Seul emitiu um comunicado no qual afirma que espera que esta nova conexão marque um “ponto de virada crucial” nos seus esforços para expandir os seus horizontes diplomáticos e fortalecer a diplomacia com a América Latina e o Caribe. O novo movimento é um passo histórico para ambos os países, que estabeleceram relações diplomáticas em 1949, mas as romperam dez anos depois, quando triunfou a Revolução Cubana e o seu líder Fidel Castro impôs um regime comunista no país latino-americano.

Desde então, Cuba tem sido um aliado próximo da Coreia do Norte, que até hoje não abraçou a economia de mercado e que está em estado técnico de guerra com a Coreia do Sul. Este foi o principal impedimento para Havana e Seul restabelecerem as suas relações ao longo dos anos, mas o obstáculo agora foi superado.

As conversas para uma reconexão diplomática entre Cuba e a Coreia do Sul foram mantidas sob estrita confidencialidade ao longo dos anos. “Nossos últimos governos tentaram várias vezes, sem sucesso, restabelecer relações com Cuba”, disse uma pessoa da diplomacia sul-coreana sob anonimato à BBC Mundo. Esta pessoa atribui o atraso à pressão diplomática da Coreia do Norte, um aliado próximo de Cuba desde a década de 1960, bem como à relutância dos principais líderes cubanos da velha guarda.

O histórico líder cubano e o fundador da Coreia do Norte construíram uma relação política sólida entre os seus países que dura até hoje. Um bom exemplo disso é a embaixada da Coreia do Norte em Havana, a maior do regime de Kim Jong-un nas Américas e o centro nevrálgico da sua atividade diplomática na região. A presença de embaixadas de ambas as Coreias num único país não é uma exceção, uma vez que ocorre em muitos locais, incluindo China, Rússia, Espanha e Reino Unido.

A Coreia do Sul não vê Cuba como uma potencial fonte de rendimento para o Estado ou para os seus conglomerados multinacionais, já que as vendas globais dessas empresas atingem valores de 12 dígitos. O país tem outras razões para estreitar laços. “É um país geograficamente estratégico, próximo dos Estados Unidos, e posicionar-nos lá é importante no longo prazo”, indicou a pessoa da diplomacia sul-coreana.

Por outro lado, com a abertura de uma embaixada na capital cubana, a Coreia do Sul marca um ponto contra a Coreia do Norte num momento em que os dois países mantêm um confronto tenso. O revés não é apenas simbólico, mas também a perda de influência política e diplomática do regime comunista de Kim Jong-un na ilha, liderada hoje por Miguel Díaz-Canel.

Por outro lado, a Coreia do Sul mantém há anos a política de expansão da sua influência cultural em todos os cantos do mundo —e Cuba não é exceção. Assim como em outros países latino-americanos, muitos jovens da ilha consomem conteúdos do país asiático, desde músicas até novelas, e o fã-clube local sul-coreano conta hoje com mais de 10 mil membros.

A Coreia do Sul já mantém relações diplomáticas com todos os países da ONU, exceto a Síria e a Coreia do Norte. “Cuba era o último objetivo pendente para expandir a nossa diplomacia”, afirmou o diplomata do país. Cuba, por sua vez, já mantém relações diplomáticas com todos os Estados membros das Nações Unidas, exceto Israel. O regime cubano dá especial importância à diplomacia como forma de legitimar o seu sistema político e econômico diante de seu isolamento internacional. Também é uma forma de denunciar ao mundo o embargo financeiro e comercial que os Estados Unidos lhe impõem há seis décadas.

Mas os benefícios que espera da sua nova relação com a Coreia do Sul são mais econômicos. A grave crise financeira que Cuba atravessa há décadas intensificou-se desde a pandemia, gerando uma grave escassez de alimentos, medicamentos e produtos básicos —e o maior êxodo de migrantes na sua história. Isto levou o governo a procurar qualquer fonte de receitas que ajude a manter o país à tona.

O restabelecimento das relações “abre todo um leque de coisas que podem acontecer, como a abertura aqui em Havana de escritórios da Samsung, Hyundai ou de empresas sul-coreanas que hoje têm presença comercial e econômica em Cuba”, diz Carlos Alzugaray, cientista político e ex-diplomata cubano.

Este texto foi publicado originalmente aqui.

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