Os resultados desse levantamento foram apresentados pela Defensoria Pública em uma ação civil pública movida contra o Estado de São Paulo. As defensoras Nálida Coelho Monte e Tatiana Campos Bias Fortes acusam o estado de não garantir o pleno acesso a informações sobre o aborto legal, tanto para a população quanto para os profissionais de saúde, violando assim os direitos das mulheres e meninas que buscam atendimento no SUS (Sistema Único de Saúde).
A Defensoria Pública visitou dez hospitais, que representam aproximadamente 50% de todas as unidades no estado capazes de realizar o aborto legal. No entanto, o número exato é estimado, já que a Secretaria de Saúde de São Paulo se recusou a fornecer uma lista com todos os locais onde o serviço está disponível.
As defensoras alegam que até mesmo o site da Secretaria não informa sobre o procedimento nem os hospitais que o oferecem. Isso dificulta o acesso ao aborto legal, uma vez que as mulheres que buscam esse serviço não são informadas sobre seus direitos. Além disso, a falta de conhecimento por parte dos profissionais de saúde sobre o que pode ou não ser feito também cria obstáculos.
A Defensoria Pública destaca que a falta de informações precisas prolonga a gravidez indesejada, aumentando o sofrimento das mulheres e tornando a interrupção da gravidez tardia mais difícil de ser garantida. Segundo dados do Ministério da Saúde, o número de nascimentos de mães entre 10 e 14 anos é alarmante, superando 19 mil por ano. Essas meninas teriam, teoricamente, o direito ao aborto legal no Brasil.
A ação civil pública ressalta ainda o baixo número de abortos legais realizados nos hospitais públicos de São Paulo nos últimos anos. O Hospital de Rio Preto, referência para 102 municípios do interior paulista, realizou apenas oito interrupções no ano passado, sete em 2022 e cinco em 2020. Outras quatro unidades de referência registraram anualmente entre cinco e seis abortos legais.
Outro ponto observado pela Defensoria Pública é a realização da curetagem em muitos dos hospitais, embora essa prática não seja mais recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) há mais de dez anos.
A falta de capacitação e formação dos profissionais de saúde também é um problema identificado pela Defensoria. Muitos não têm conhecimento sobre a legislação de aborto legal, os direitos humanos das mulheres ou as alternativas técnicas. A maior dúvida gira em torno do limite gestacional para a interrupção da gravidez.
Um hospital em Presidente Prudente, por exemplo, relatou que realiza o aborto legal até a 14ª semana, mas tem dúvidas sobre o limite recomendado.
As defensoras destacam que a desinformação sobre o prazo para a interrupção legal da gravidez tem se acentuado nos últimos anos, após o governo de Jair Bolsonaro editar uma norma que considerava crime qualquer aborto legal realizado após a 22ª semana. No entanto, elas ressaltam que a norma atual do Ministério da Saúde enfatiza que o principal fator a ser considerado em um aborto nos casos previstos em lei é a intenção deliberada de interromper a gravidez, e não um limite gestacional estabelecido por lei.
Em relação à ação movida pela Defensoria Pública, o Ministério Público de São Paulo se manifestou favoravelmente às demandas por mais transparência no fornecimento de informações e capacitação de profissionais de saúde e hospitais. A promotora de Justiça Dora Martin Strilicherk enfatizou a importância da transparência e do direito à informação, destacando que cada dia de gestação causa mais sofrimento físico e psicológico em casos de gravidez resultante de violência sexual, risco à saúde da gestante e inviabilidade fetal.
Até o momento, a Secretaria de Saúde de São Paulo não se pronunciou sobre a ação movida pela Defensoria Pública.