Inflação manipulada e fake news: o desafio da transparência econômica na Argentina e no Brasil

No governo de Cristina Kirchner (2007-2015), a inflação oficial anunciada pelo Indec (o IBGE argentino) entre 2007 e 2013 era, na média, 15 pontos percentuais inferior à real.

Empresas e instituições começaram a produzir índices alternativos. O governo então passou a multá-las, acusando-as de produzirem fake news.

A oposição reagiu criando o seu próprio índice, o “IPC Congreso”. Em 2013, o FMI reagiu com uma moção de censura à Argentina que eventualmente poderia evoluir para proibição de empréstimos. Ou sua expulsão, por deliberadamente produzir informações falsas, como aconteceu com a Tchecoslováquia, em 1954.

A manipulação de dados econômicos e a formação da opinião pública

Um estudo recente realizado por Ryan E. Carlin e colegas (2021) analisou empiricamente a implicação da manipulação de dados econômicos na formação da opinião pública. A competição política gera incentivos para os governos mentirem e manipularem informações fiscais e financeiras, o que pode explicar a diferença entre a percepção da economia pelo eleitorado e a economia real, mensurada em termos de crescimento, inflação e desemprego.

Os pesquisadores criaram um índice de Qualidade do Ambiente Informacional, que combina indicadores de transparência das informações econômicas, liberdade de expressão e força da oposição. O comportamento desse índice tem a forma de “u” invertido entre 1993 e 2014, indicando que a disponibilidade de informações confiáveis não importa muito quando não há incentivos para denúncias.

Em termos gerais, existe uma correlação (defasada) entre o que ocorre na economia real e a percepção da economia pelo público. No entanto, essa associação começa a se dissipar após três meses e se dilui após um ano. O efeito global depende do ambiente informacional, ou seja, quanto melhor ele for, mais robusto será o efeito da economia na opinião pública. Caso contrário, haverá uma maior incongruência entre a economia real e a percebida.

A manipulação de dados na Argentina e no Brasil

No governo de Cristina Kirchner, na Argentina, a manipulação de dados era evidente. O Indec, o IBGE argentino, anunciava uma inflação oficial 15 pontos percentuais inferior à real entre 2007 e 2013. Empresas e instituições começaram a produzir índices alternativos, o que levou o governo a multá-las e acusá-las de produzirem fake news. A oposição reagiu criando o índice “IPC Congreso”, como forma de confrontar o governo.

No Brasil, a incongruência entre a percepção da economia e a economia real foi maior em 2008 e 2010, durante o governo de coalizão liderado por Dilma Rousseff. A manipulação de informações também foi evidente, como no caso da contabilidade criativa adotada pelo governo.

Responsabilidade fiscal e transparência pública

No Brasil, o ambiente informacional atual é marcado por um governo de coalizão inédita e uma ampla liberdade de expressão. A transparência pública foi fortalecida com a criação do IFI (Instituição Fiscal Independente). No entanto, a defesa política da responsabilidade fiscal ainda é uma questão em aberto, levantando questionamentos sobre a credibilidade daqueles que a defendem, como o presidente, o centrão e o ex-candidato à presidência, Fernando Haddad.

No final das contas, a manipulação escancarada de informações econômicas é apenas a etapa final de um processo que tem início com o descaso com a responsabilidade fiscal. A manipulação de dados pode ter um impacto significativo na formação da opinião pública e, consequentemente, nas decisões políticas e econômicas do país.

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