O Brasil enfrenta grande desafio com o aumento do HIV devido ao racismo e à pobreza entre populações vulneráveis.

Um estudo realizado com uma extensa base de dados de mais de 28 milhões de brasileiros revelou que a cor da pele e as condições socioeconômicas estão diretamente relacionadas a um maior risco de contrair o vírus do HIV, assim como de morrer por complicações decorrentes da doença. Os resultados da pesquisa, publicada recentemente na revista The Lancet Regional Health, indicaram a existência de um forte impacto nas taxas de incidência, mortalidade e letalidade associadas ao vírus da Aids em pessoas autodeclaradas pretas. Essa descoberta também é semelhante ao que já foi registrado em países com maior renda.

De acordo com os pesquisadores envolvidos no estudo, o maior risco enfrentado por essa população é considerado uma consequência do racismo estrutural, que acarreta desigualdades no acesso a serviços de saúde e na qualidade desses serviços. Vale destacar que não há evidências de fatores genéticos que justifiquem tamanha discrepância entre a população preta e outras etnias.

Os pesquisadores também enfatizaram que o racismo estrutural se manifesta de outras formas, como nas más condições de moradia, salários mais baixos e piores condições de trabalho, o que, por sua vez, perpetua ainda mais as desigualdades raciais e sujeita as pessoas a consequências negativas relacionadas ao HIV.

Outros determinantes sociais da saúde também foram associados aos três desfechos analisados. Por exemplo, a baixa renda pode limitar o acesso a recursos socioestruturais, o que está relacionado à exclusão social e à insegurança alimentar, pontos potenciais de barreira para diagnóstico precoce, início de cuidados e aderência ao tratamento do HIV/Aids. A educação também desempenha um papel importante, pois está ligada ao acesso a informações de saúde e à capacidade de tomar ações relacionadas à própria saúde. Estudos anteriores já mostraram que pessoas com menor acesso à educação têm maior risco de se envolver em comportamentos sexuais de maior risco, maior probabilidade de diagnóstico tardio de HIV/Aids e menor acesso e aderência a terapias antirretrovirais.

Os pesquisadores destacaram que a luta contra o HIV/Aids não pode avançar sem a implementação de intervenções que melhorem os determinantes sociais da saúde. Eles ressaltaram que o investimento na redução das desigualdades sociais deve ocorrer em conjunto com as intervenções médicas e comportamentais. É importante notar que o aumento da pobreza e da vulnerabilidade social resultantes da pandemia de Covid-19, da guerra na Ucrânia e da crise global de inflação pode reverter o progresso alcançado nas últimas décadas no combate ao HIV/Aids.

Embora o Brasil seja reconhecido internacionalmente por seu combate efetivo ao HIV/Aids, ainda existem desafios significativos a serem enfrentados no âmbito da gestão pública de saúde. Como ressaltado por infectologistas do Hospital das Clínicas da USP, é necessário enfrentar esses desafios para garantir a continuidade dos avanços na luta contra a doença.

A pesquisa publicada na The Lancet utilizou uma metodologia retrospectiva, analisando dados registrados entre 2007 e 2015 de mais de 28 milhões de brasileiros. Esses dados foram obtidos do CadÚnico (Cadastro Único), dos diagnósticos de Aids registrados no sistema do Ministério da Saúde e das informações sobre mortes no sistema nacional. A pesquisa abrangeu pessoas com mais de 13 anos e é considerada a primeira de sua escala a abordar a questão do HIV/Aids em um país de renda baixa ou média, como o Brasil.

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