Numa decisão polêmica, juiz anula gravação de números inoperantes, utilizada pela polícia do RJ em investigação.

Em decisão proferida no dia 4 pelo juiz Marco José Mattos Couto, da 1ª Vara Criminal de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, a nulidade de parte de uma interceptação telefônica feita pela Polícia Civil em uma investigação sobre tráfico de drogas foi decretada. O juiz questionou como foi possível extrair informações de dois números desativados.

As gravações de voz e SMS de dois aparelhos telefônicos feitas pelo sistema Guardião da polícia tinham autorização judicial. No entanto, a companhia telefônica esclareceu, após solicitação da defesa, que ambos os terminais estavam inoperantes durante o período em que a polícia afirma ter captado provas por meio deles, que embasaram a denúncia contra um dos réus.

Num primeiro momento, a polícia afirmou à Justiça que houve uma falha, e o Ministério Público acatou a explicação de equívoco dos policiais. No entanto, o juiz não ficou convencido e declarou nula a interceptação telefônica.

Questionada pela reportagem, a Polícia Civil informou que “recebeu demanda da Justiça e responderá dentro do prazo estipulado”. A Secretaria de Polícia Civil adicionou que não faz juízo de valor sobre decisões judiciais, limitando-se a cumpri-las.

O sistema Guardião foi adquirido em 2007 pela extinta Secretaria de Segurança Pública e tem a capacidade de gravar conversas telefônicas de alvos interceptados. Na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Escutas Telefônicas Ilegais, realizada em 2007 na Câmara dos Deputados, os diretores de empresas telefônicas explicaram que a interceptação telefônica é realizada pela companhia a partir de uma ordem judicial.

Essa interceptação é feita pela empresa telefônica com um software chamado Vigia. O programa redireciona a chamada para a autoridade que solicitou a escuta e registra apenas os números que participaram da conversa, além de sua duração e localização geográfica.

O Vigia, que não tem acesso ao áudio das conversas, transfere as ligações para o Guardião, operado pelos policiais, que funciona como um gravador de voz. O policial, ao fazer seu relatório de inquérito, registra o que ouviu na gravação e quais telefones foram utilizados.

Para defender o réu Deilson Ribeiro Silva, apontado como um dos chefes do tráfico da Cidade de Deus, na zona oeste do Rio, o advogado Igor de Carvalho solicitou à operadora uma cópia dos números que foram redirecionados para o Guardião.

O documento revelou que dois telefones que constavam na escuta estavam desabilitados no momento em que o Guardião afirma ter feito as gravações. Baseado nisso, Carvalho argumentou que houve fraude no sistema operado pelos policiais.

Um agente explicou à reportagem que o sistema Guardião pode ser editado pelo usuário que elabora o relatório policial, inclusive com a inclusão de números de telefones. Porém, o mesmo não é possível com o Vigia, que é de acesso exclusivo da operadora telefônica. Dessa forma, o sistema da operadora também serve para auditoria.

O processo segue sob sigilo, com a reportagem tendo acesso apenas à decisão judicial. A assessoria do Tribunal de Justiça informou que o juiz não pode conceder entrevista, de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura.

Na decisão, o juiz afirmou que não irá trancar os autos do processo, pois “a interceptação telefônica, agora declarada nula, não consiste no único elemento probatório neles existente, de modo que a sentença será proferida com base nos demais elementos probatórios que não se relacionam à interceptação telefônica”.

No documento, o juiz indica que o caso das escutas de aparelhos desativados deve ser investigado pelos órgãos competentes para “esclarecer se houve uma fraude propriamente dita ou algum equívoco capaz de encontrar uma justificativa razoável”.

O processo que resultou na anulação da interceptação faz parte de uma investigação iniciada em 2020. No dia 28 de julho daquele ano, policiais civis da 41ª DP (Tanque), em conjunto com a Polícia Militar, tentavam identificar criminosos envolvidos na expansão da facção Comando Vermelho para regiões dominadas por milicianos.

Durante a ação, um policial militar e uma moradora foram mortos a tiros, na Estrada da Covanca. Na ocasião, dois homens ligados ao tráfico deixaram cair um aparelho celular, além de dois cadernos de anotações com informações contábeis sobre o tráfico de drogas e outros contatos telefônicos.

Com base nesses contatos, a delegacia solicitou as interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça.

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