Chile discute ditadura, prisão privilegiada e aposentadoria dos militares em processo de transição política.

Prisão e aposentadoria privilegiadas no Chile: remanescentes da ditadura de Pinochet

No processo de transição chileno, é evidente que o país rompeu apenas parcialmente com a ditadura liderada por Augusto Pinochet. Um dos elementos mais emblemáticos desse processo é a manutenção da Constituição, que ainda é a mesma promulgada durante o período ditatorial.

Desde os protestos de massa de 2019 e 2020, conhecidos como “estallido social”, o Chile tem debatido a elaboração de uma nova Constituição. Contudo, em setembro de 2022, um projeto elaborado por uma Assembleia Constituinte foi rejeitado pela população, e uma nova comissão agora trabalha na preparação de uma nova proposta, que será apresentada em novembro.

Outro exemplo gritante de como os militares envolvidos em crimes durante a ditadura conseguiram manter privilégios é a prisão de Punta Peuco, localizada na região metropolitana de Santiago. Essa prisão foi construída especificamente para abrigar os agentes do regime que foram condenados, e atualmente abriga cerca de 120 detentos.

No entanto, esses detentos desfrutam de inúmeras regalias, como apartamentos equipados com cozinha, sala e banheiro, além de quadras de tênis e jardins. Essa realidade destoa completamente do quadro carcerário do Chile, onde os presos comuns são submetidos a condições precárias. Recentemente, um debate na Câmara dos Deputados do Chile discutiu o possível fechamento dessa prisão e a transferência dos detidos para prisões comuns.

Além disso, os militares também se beneficiam de aposentadorias especiais concedidas pelo governo chileno. O valor médio dessas aposentadorias é “quinze a vinte vezes maior” do que a aposentadoria dos civis chilenos, o que evidencia a perpetuação das vantagens conquistadas durante a ditadura. Vale ressaltar que o sistema de aposentadoria do Chile foi privatizado no período pinochetista, e o baixo valor recebido pelos idosos tem se tornado uma fonte de insatisfação social no país.

O legado da ditadura chilena também é evidente no cenário político. O pinochetismo continua representado no Congresso, através de partidos como a União Democrática Independente (UDI) e o Partido Republicano. O candidato de extrema direita José Antonio Kast chegou ao segundo turno das eleições de 2021, representando o ideário pinochetista, mas foi derrotado pelo esquerdista Gabriel Boric.

Pontas soltas: desafios para a Justiça de transição chilena

Embora o Chile tenha realizado avanços significativos no processo de justiça de transição, ainda existem questões urgentes que precisam ser abordadas. Um dos principais desafios é a identificação do destino das pessoas que desapareceram durante a ditadura. Em agosto, em preparação para os 50 anos do golpe, o presidente Gabriel Boric anunciou que o Estado se engajaria na busca da verdade sobre o paradeiro dessas vítimas. No entanto, a medida é considerada tardia e insuficiente pela especialista Salém.

Outra questão pendente é a falta de indenizações adequadas para as vítimas e familiares. Isso inclui milhares de camponeses que perderam suas terras durante a contrarreforma agrária realizada na ditadura. Além disso, o Chile ainda deve lidar com os episódios mais recentes de violência estatal, como a repressão aos protestos do “estallido social”, que resultaram em mortos, milhares de feridos e prisões questionadas por organizações sociais.

A professora da UFABC ressalta a necessidade de um processo de “Justiça de transição” para abordar essas violações massivas de direitos humanos ocorridas em contexto mais recente. Além das medidas propostas pelo governo chileno, é fundamental que a sociedade civil e os órgãos responsáveis se unam para enfrentar esses desafios e garantir um futuro mais justo e democrático para o Chile.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo