Com o aval do projeto concluído, é chegada a hora de agir com cautela e enfrentar a realidade.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) finalmente conseguiu aprovar o novo arcabouço fiscal, depois de dois meses de votação no Senado. Essa regra marca o fim do teto de gastos e abre caminho para o aumento das despesas de acordo com o plano de governo do PT.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem motivos para comemorar, pois o projeto manteve os pilares centrais da proposta original, como a garantia de aumento dos gastos acima da inflação, um piso para investimentos públicos e flexibilidade no cumprimento das metas fiscais, com a criação de uma margem de tolerância.

No entanto, não devemos nos deixar levar pela euforia. É hora de ser realista e enfrentar o desafio fiscal com transparência e sem artifícios.

Até o momento, o Ministério da Fazenda tem insistido em um déficit zero que o mercado não acredita e a classe política não deseja. O governo aposta apenas em medidas para arrecadar mais e no crescimento da atividade econômica.

A revisão de despesas e políticas ineficientes tem sido deixada de lado. Não se trata de defender cortes sem propósito, mas sim de implementar as mudanças necessárias que já foram identificadas em relatórios produzidos em diferentes gestões e que estão empoeirados nas prateleiras do Executivo.

Enquanto isso, o próprio governo continua criando regras que limitam ainda mais o Orçamento Federal, como a valorização do salário mínimo, a retomada de mínimos para saúde e educação e o estabelecimento de um piso para investimentos. Todas essas medidas têm méritos, mas também geram consequências.

Como as despesas estão garantidas, mas as receitas não, a conta não fecha. A falta de confiança em relação às metas fiscais fica evidente na pesquisa do Ministério da Fazenda, que consolida as projeções do mercado e indica um déficit de R$ 84,8 bilhões para o próximo ano, independentemente das promessas do governo.

A agência de classificação de risco Moody’s adotou uma postura mais cautelosa do que outras agências e afirmou que deseja ver o cumprimento do arcabouço fiscal antes de revisar a nota de crédito do Brasil.

No Congresso, já há coro pedindo por mudanças nas metas fiscais. O próprio relator do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, deputado Danilo Forte, considera inevitável uma alteração no alvo da política fiscal.

O governo depende dos parlamentares para aprovar a taxação de fundos exclusivos e de rendimentos obtidos com recursos em paraísos fiscais, a regulamentação de apostas esportivas e a limitação dos benefícios do Juro sobre Capital Próprio (JCP).

A retomada do poder de desempate da Fazenda nos julgamentos de conflitos tributários no Carf ainda precisa ser aprovada pelos senadores, e seu impacto é controverso. O governo afirma que isso pode gerar uma arrecadação adicional de R$ 40 bilhões, mas há dúvidas se essas estimativas levam em conta as perdas causadas pelas mudanças incluídas no texto, que podem frustrar a entrada de novas receitas.

Algumas dessas receitas têm viabilidade política duvidosa, como ficou evidente no atrito entre Haddad e o presidente da Câmara, Arthur Lira, em relação aos recursos em paraísos fiscais.

Além disso, o governo já está lidando com os efeitos da desaceleração da arrecadação, cujo crescimento está perdendo fôlego.

Se o governo não conseguir arrecadar o suficiente para atingir as metas, terá duas opções: mudar as metas fiscais ou contingenciar os gastos dos ministérios. A classe política não deseja reviver os bloqueios impostos durante a vigência do teto de gastos. O chamado centrão deseja participar do governo não apenas para negociar emendas parlamentares, mas também para ser parceiro no aumento das despesas que acabou de autorizar.

Segundo simulações do Tesouro Nacional, o déficit zero proposto por Haddad pode implicar em um contingenciamento de R$ 56,5 bilhões. Por que não alcançar o déficit zero em 2025 ou 2026? Essa é a pergunta feita pelos parlamentares que desejam um ajuste mais gradual.

Não adiantará tentar enganar o mercado para apresentar um déficit zero ou próximo disso apenas no papel. O mercado sabe fazer contas, e qualquer tentativa de ludibriá-lo arranharia a credibilidade da nova regra.

A discussão sobre o pagamento dos precatórios é ilustrativa. Economistas veem como acertada a disposição do governo em regularizar essas dívidas que foram acumuladas durante o governo Bolsonaro. No entanto, há dúvidas em relação à possibilidade de o governo classificar o estoque como despesa financeira e pagá-lo sem abrir mão do discurso do déficit zero.

Regularizar os precatórios e manter as metas fiscais futuras são objetivos incompatíveis. Seria mais transparente incluir tudo no Orçamento e dar clareza às mudanças.

Em discussões reservadas, técnicos experientes mencionam uma característica essencial que diferencia os diferentes tipos de ministros da Fazenda. Há aqueles que prometem menos e entregam mais, geralmente sendo bem avaliados por surpreenderem positivamente as expectativas. E há aqueles que prometem demais e entregam menos, o que pode ser decepcionante mesmo que seu trabalho traga resultados satisfatórios.

É válido ter metas ambiciosas, mas elas também carregam o risco de gerar constantes frustrações. Em um ambiente onde a credibilidade e a gestão das expectativas são essenciais, a ambição pode custar caro ao governo.

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