Nenhum lamento na morte de Prigojin em vila ucraniana devastada pelo grupo Wagner.

Mikola Hontchar: a história de um homem que sobrevive na devastação da guerra no leste ucraniano

Mikola Hontchar vive em uma casa de pedra em ruínas no que resta de um pequeno povoado no leste da Ucrânia. A cidade foi atacada pelas forças russas em junho de 2022, enquanto as forças mercenárias do Grupo Wagner lideravam uma ofensiva renovada.

Mesmo antes do Kremlin liberar o Wagner para causar estragos na Ucrânia, a campanha russa era notável por sua brutalidade. Mas desde o momento em que as forças do grupo entraram na guerra, em abril de 2022, eles ganharam uma reputação especial por sua sede de sangue, entre civis e entre soldados.

Para Hontchar, a morte do líder do Wagner, Ievguêni Prigojin, responsável por tanta carnificina na guerra, seria adequada —um fim violento para uma vida violenta.

“Ele tem sangue nas mãos”, diz Hontchar, 58. “Se existe um Deus, Deus saberá o que fazer com ele.”

Mesmo em uma guerra em que civis foram mortos a tiros nos subúrbios de Kiev e a cidade de Mariupol foi bombardeada até a destruição, o Wagner e Prigojin cultivaram uma imagem de brutalidade.

Um vídeo publicado nas redes sociais mostra um dos próprios soldados de Prigojin sendo executado com um martelo depois ter sido capturado e posteriormente libertado pelos ucranianos em uma troca de prisioneiros. Enquanto estava sob custódia, o homem gravou uma entrevista dizendo que não acreditava na guerra da Rússia. “Um cachorro recebe uma morte de cachorro”, diz Prigojin no vídeo.

Sobrevivendo à devastação

Quando a Ucrânia recuperou a vila de Bohoroditchne, Hontchar era uma das duas pessoas que ainda moravam lá. Antes da guerra, eram 800 pessoas. A outra pessoa era sua mãe, Nina Hontchar, 92. Ele ficou lá apesar do perigo para cuidar dela. Ela morreu neste mês.

Ele não sabe se os combatentes do Wagner estavam entre os ocupantes. “Eu não pedi os documentos deles”, conta. Mas ele se lembra de ter visto lutadores russos, que pareciam estar drogados, vagando pela cidade de cueca, seus corpos cobertos de tatuagens como as feitas em prisões.

O Wagner ampliou sua força recrutando prisioneiros. Depois que ao grupo deixou o campo de batalha em junho, o Exército russo continuou a usar detentos como parte das recém-formadas unidades “Storm Z” ao longo das posições mais perigosas das frentes de batalha.

Para Hontchar, pouco importa sob qual bandeira os soldados lutaram. O legado do Wagner e das forças russas, segundo ele, é o mesmo: morte, destruição e ruína. “Meu irmão e sua esposa foram despedaçados por explosões”, diz. Antes de poder enterrá-los, ele teve que recolher as partes dos corpos. “Não havia crânio; suas mãos estavam espalhadas”, conta o homem sobre seu irmão.

Depois de coletar o que conseguiu encontrar, ele queria enterrá-los no cemitério da vila, mas o local estava sob constante ataque e era muito perigoso. Ele colocou os restos mortais deles em uma trincheira e os cobriu com terra. Quando sua vizinha de 80 anos morreu, ele a enterrou na cratera da bomba que a matou.

A destruição de Bohoroditchne

Não há uma única casa intacta em Bohoroditchne. A loja de variedades permanece destruída e fechada. O centro do governo da vila está arruinado, suas paredes estão marcadas por buracos de bala, o telhado desabou e uma carcaça enferrujada de um veículo blindado está largada do lado de fora. Por toda a vila, as ervas daninhas crescem descontroladamente e as ruínas das casas são camufladas pela vegetação.

É como uma versão em miniatura de Bakhmut, a cidade no leste da Ucrânia que levou mais de um ano para ser capturada pelos combatentes do Grupo Wagner. Autoridades ucranianas dizem que há centenas de vilas arruinadas como Bohoroditchne espalhadas pela Ucrânia, muitas destruídas pelas forças do Wagner antes do grupo retirar seus combatentes da Ucrânia.

Embora a destruição de Bakhmut seja chocante por sua escala, a devastação de Bohoroditchne é desoladora por sua intimidade. Hontchar contra como, quando ele estava crescendo na vila, havia dezenas de crianças. Eles nadavam no rio e corriam por florestas cheias de porcos selvagens e veados.

Às vezes, eles fumavam escondidos e acabavam levando um tapa na orelha ou algo pior quando eram pegos. A primeira garota que ele beijou morava do outro lado de uma ponte em uma cidade vizinha.

A mesma ponte foi explodida pelos ucranianos para retardar o avanço russo. Não há mais crianças vivendo na vila.

Hontchar diz não acreditar que Prigojin esteja morto.

O que ele sabe que é sua vila se foi. Ainda assim, ele espera que a vida retorne um dia ao que era.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo