Participantes do AA compartilham que, ao acordarem, têm como rotina ir direto para o bar. Descubra mais sobre seus relatos.

Na noite desta quinta-feira (24), realizou-se uma reunião em uma sala nos fundos de uma igreja na zona leste de São Paulo. As paredes desta sala, pintadas de azul e branco, estão cobertas por diferentes mensagens, todas com o objetivo de evitar que os participantes dêem o primeiro gole em uma bebida alcoólica. Trata-se de mais uma das dezenas de reuniões diárias realizadas por grupos do AA (Alcoólicos Anônimos) em todo o país.

Com a condição de preservar o anonimato dos participantes – todos os nomes utilizados neste texto são fictícios -, a reportagem teve a oportunidade de acompanhar essa reunião do início ao fim.

Por volta das 20h10, todos se sentam após tomarem um café feito por Antenor, um dos coordenadores do dia. Essa função é revezada com Alessandro, mas poderia ser ocupada por qualquer participante que já tenha frequentado mais de 90 reuniões no grupo.

“Estamos aqui para compartilhar experiências, força e esperanças. Não estamos vinculados a nenhuma religião ou partido político. O que nos une é o desejo de parar de beber e permanecer sóbrios”, afirma Antenor.



Não é necessário pagar para participar da reunião. Quem quiser contribuir com qualquer quantia para ajudar na impressão dos folhetos, no aluguel da sala e no cafezinho pode fazê-lo durante o intervalo, por volta das 21h. Nesta quinta-feira (25), o valor total arrecadado foi de R$ 24.

Em seguida, todos são convidados a ficar de pé para uma oração, que também é repetida ao final da reunião, e uma reflexão diária é lida, baseada nos 36 princípios do AA.

Logo depois, começam os testemunhos. Ninguém é obrigado a falar e dois participantes preferem apenas ouvir. Os demais vão para a cadeira posicionada na frente da sala e compartilham suas histórias:

Ivan

“Estou aqui para não voltar a beber. Hoje tive um dia de paz ao lado da minha família, que agora se resume à minha mãe. Antes, eu acordava cedo e a primeira coisa que fazia era atravessar a rua e ir para o bar. Bebia de manhã, de tarde e de noite. Minha vida se resumia a um copo de bar.

Com o álcool, você está sempre destinado a perder: perder a dignidade, a moral, o dinheiro. Minha esposa não suportou e nos separamos. Fui morar com minha mãe e foi nesse momento que a família percebeu a gravidade do meu problema.

Minha mãe começou a pedir a Deus que eu mudasse de vida e faz dez meses que não tenho contato com o álcool.

Estou feliz com uma vida sem ressacas, sem acordar e ter que consertar os erros da noite anterior.”

Cláudio

“Cheguei à irmandade em 1994.

Tudo começa com o primeiro passo: admitir que se é um alcoólatra.

Cheguei aqui carregando culpa e sabia que a culpa era minha. Cheguei aqui desacreditado, prepotente. Quando alguém tentava me ajudar na rua, eu os xingava. A tolerância foi algo que aprendi aqui. Sou muito grato ao AA. Hoje, eu caminho com dignidade.

Eu não deveria estar sentado aqui. Eu deveria estar no cemitério. Só não perdi a vida porque Deus foi misericordioso comigo. Eu bebia três garrafas e fumava 20 baseados por dia.

Eu quero mostrar aos novatos que isso funciona. Eu sempre digo a eles: ‘Continue, porque isso funciona’.”

Evandro

“Estou feliz porque cheguei à irmandade achando que tinha perdido tudo.

Eu bebia de manhã, de tarde e de noite, de domingo a domingo. Isso teve consequências na minha vida familiar e no trabalho. Eu não conseguia manter nenhum emprego. Hoje, tenho consciência de que sou um alcoólatra.

Cheguei ao AA em agosto de 2008. Chegar, ficar, aprender a ver, a ouvir. Foram 32 anos de bebedeira, dos 17 aos 49.

Quando cheguei aqui, sentia vergonha, e é aí que entra a importância do anonimato. Aqui me senti incluído. Eu era excluído de tudo. Até em eventos familiares eu afastava as pessoas.

Em 2008, minha esposa me expulsou de casa. O AA mudou minha maneira de pensar. Ainda sofro um certo tipo de ansiedade, mas estou tentando melhorar. A doença está sob controle.

Eu aceitei minha impotência perante a bebida. Me considero uma pessoa de sorte por não estar bebendo.”

Alessandro

“Sou um alcoólatra em recuperação. Comecei a beber na adolescência. Comecei a trabalhar muito cedo e achava que isso significava independência.

Fui fuzileiro naval. Passei cinco anos na Marinha e não consegui estudar para subir de patente porque dava prioridade ao álcool.

Meus filhos cresceram e eu nem percebi. Digo que terminei minha adolescência aos 56 anos, quando entrei para o AA, há dez anos. Foi aqui que eu descobri que o alcoolismo é uma doença.

Como comecei na adolescência, minha formação foi prejudicada, assim como o meu caráter. Eu tinha apagões e era terrível. Um dia, minha irmã veio para uma reunião e ela lembrava de coisas que eu não conseguia mais recordar.

A culpa faz com que a gente beba ainda mais. Aqui, nós vamos nos libertando desse peso. Quando cheguei, só conseguia chorar. Levei dois meses para começar a falar.

O AA foi a minha salvação. Voltei a sentir prazer em tomar um copo de água, em comer um pão com manteiga pela manhã.

Muitos sonhos ficaram pelo caminho, como o de ser advogado, mas consegui recuperar parte da minha vida.”

Antenor

“Eu vim por causa da dor. Eu não tinha a menor vontade de parar. Eu gostava de beber e perdi a criação dos meus filhos – e isso nunca mais vou recuperar.

Cheguei ao AA aos 47 anos. Hoje, tenho 72 anos e me sinto mais jovem do que eu era quando entrei aqui. Era uma terça-feira. Eu vim na terça-feira, na quinta-feira, no sábado e na terça-feira seguinte eu não queria mais beber.

Eu tive a minha primeira bebedeira aos 16 anos, mas o alcoolismo realmente se instalou quando eu tinha 24, 26 anos. Por isso, quando vejo pessoas mais jovens, eu digo: ‘Fique, porque você não precisa passar por tudo o que eu passei’.

O alcoolismo é uma doença. Se você ainda não perdeu, vai perder seu emprego, seu casamento, sua família.

Eu acho que reconquistei meus filhos, a minha família. Será que eu realmente consegui? Eu sempre tenho essa dúvida. Eu machuquei muito a minha família…

Hoje, quando vejo um jovem de 14 anos na praça em frente à minha casa, segurando um copão de bebida, eu penso em conversar com ele, mas tenho medo que ele me responda: ‘Você be

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