A ascensão da China: Impactos no comércio global e nas relações comerciais Brasil-China.




A ascensão da China como uma potência representa um dos eventos mais significativos da economia global nos últimos anos. A China não apenas se tornou a principal exportadora mundial, mas também demonstrou uma notável capacidade de manter seu crescimento econômico em um ritmo acelerado. Desde 2011, o governo chinês busca adaptar o seu modelo de crescimento, com a expansão do mercado interno e uma distribuição regional mais equitativa dos investimentos, visando assegurar a sustentabilidade do vigor econômico a longo prazo (IPEA, 2011).

Tal êxito, até o momento, chama atenção e nos faz questionar qual o papel que a China pode ter para o desenvolvimento global. No Brasil, particularmente, existe uma expectativa sobre o que a China pode fazer para o projeto de reindustrialização no contexto do terceiro governo Lula. Nesse texto buscamos compreender o modelo de desenvolvimento chinês e, mais especificamente, analisamos o histórico das relações comerciais Brasil – China e os limites e as potencialidades dessa relação.

A China, em sua política interna, coloca em prática um projeto de desenvolvimento socialista. O desenvolvimento chinês deve ser analisado de maneira livre de amarras ideológicas e sem buscar encaixá-lo em conceitos estáticos sobre modos de produção. A China põe em marcha o socialismo, com suas peculiaridades, complexidades e contradições.

O principal indutor da economia chinesa é o Estado, uma vez que é ele quem controla o crédito da economia. Dessa forma, a economia chinesa escapa dos ditames do setor privado como impulso para seu desempenho. “Ora”, poderiam questionar alguns, “mas isso não seria um capitalismo de Estado?”. Poderia ser, caso a direção dessa e de outras políticas não fossem decididas dentro das instâncias do Partido Comunista Chinês (PCCh), e caso não existissem outras características que fazem o desenvolvimento do país asiático não ter como principal objetivo o lucro.

Os setores de infraestrutura, como siderurgia, transporte, energia e comunicações, estão nas mãos do Estado, e a propriedade, em sua maioria, não é privada. Mesmo a partir da era Xiaoping (1978-1992), em que teve início uma significativa abertura para a entrada do capital estrangeiro em diversos setores, o Estado nunca deixou de controlar o que se considera como essencial, como as finanças e setores de fronteira tecnológica. Esse processo de abertura levou a um aumento de empresas privadas e uma diminuição de empresas estatais, mas estas últimas, apesar de estarem em menor número, se tornaram maiores e mais produtivas, resultando em um controle ainda maior do que antes.

No campo, a terra é em sua grande maioria pública, funcionando como uma proteção social para os chineses em períodos de crises que afetam o emprego e a renda nas cidades. A possibilidade de pessoas retornarem para terras no campo as protege de amargar o desemprego e passar fome. (FALEIROS, 2023). No meio rural poderão voltar a produzir para o Estado, comercializar o excedente e para sua subsistência.

Em âmbito internacional, apesar de a China ser uma potência econômica e militar, a sua perspectiva socialista faz com que não atue como uma força imperialista nas relações exteriores. No campo financeiro, a China não faz exigências para seus devedores colocarem políticas econômicas que prejudiquem o desenvolvimento interno dos países, como faz o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. A política chinesa se adequa aos orçamentos desses países, frequentemente reescalonando essas dívidas. (JABBOUR, 2021).

Outra característica é o direcionamento de suas ações tendo em vista um mundo multipolar, menos centrado nos objetivos dos EUA. Um exemplo é a atuação chinesa para o fortalecimento dos BRICS, bloco que tem como objetivo fortalecer o comércio e o intercâmbio financeiro entre alguns países do Sul Global, fora do eixo euro-americano.

No espectro das finanças globais, um dos objetivos do gigante asiático é que outras moedas, que não o dólar, possam ganhar espaço nas trocas comerciais, materializando um processo de desdolarização da economia mundial. Além de facilitar trocas comerciais entre regiões do Sul Global, um dos principais objetivos da desdolarização é enfraquecer o acúmulo de reservas em dólares na economia global. As reservas em dólares fazem com que o mundo inteiro financie o déficit americano. Vale lembrar que os principais gastos dos EUA são para área militar, o que significa dizer que o mundo inteiro financia as ações militares dos EUA.

No âmbito comercial, a China adota um posicionamento pragmático em suas relações. O país é responsável por 15% das exportações mundiais, ficando no topo do ranking, e por 12,2% das importações, participação menor somente do que a dos EUA. Essa significativa participação no comércio exterior mundial foi conquistada nas últimas décadas. Em 1948, o país era responsável por apenas 0,9% das exportações e 0,6% das importações; em 1983, 1,2% e 1,1%; em 1993, 2,5% e 2,7%; em 2003, 5,9% e 5,4%; até atingir em 2021 as taxas de 15,5% e 12,2% (WTO, 2022).

O crescimento chinês no comércio exterior mundial pode ser explicado pela intencionalidade do país em universalizar sua política externa, que é explicada por questões políticas e econômicas. Na área diplomática, após o fim da Guerra Fria, o país se viu obrigado a se movimentar para evitar o isolamento comercial promovido pelos EUA (PAUTASSO, 2009). No campo econômico se inserem dois fatores: o primeiro é a utilização da política externa como instrumento para alçar o país à potência mundial; o segundo é a necessidade do país em sustentar seu crescimento econômico, o que aumenta sua demanda por insumos e matérias-primas para alimentação e produção.

A busca por produtos de toda ordem fez com que a China entrasse com força no comércio internacional, alterando qualitativa e quantitativamente as características das trocas globais. Os interesses comerciais da China na América Latina e especificamente no Brasil são prioritariamente em relação aos produtos primários, o que influenciou em mudanças no comércio internacional dos países da região.

A economia brasileira, por exemplo, registrou nos 30 últimos anos, encerrados em 2022, um extraordinário crescimento de seu comércio exterior. O montante exportado é quase oito vezes maior que o início dessa série, e o valor das importações é aproximadamente dez vezes o valor inicial. O saldo comercial, por sua vez, é cerca de quatro vezes maior em comparação com 1993, como pode ser visto no Quadro 1, em que destacamos as balanças comerciais de importantes parceiros comerciais brasileiros.

Fonte: Comex Stat – Séries Históricas. Acesso em 22 de março de 2023. Elaboração: Instituto Tricontinental de Pesquisa Social-Brasil. Obs.: (*) em valores correntes. (1) América Latina e Caribe soma os valores da América do Sul e América Central e Caribe. (2) China soma os valores da China, Hong Kong, Taiwan e Macau.

No início da série, em 1993, EUA, América Latina e China correspondiam a 46,9% do destino das exportações brasileiras, atingindo o pico dessa participação em 2018, quando representaram 58,2%. Em 2022, essa representação foi de 53,3% (Quadro 1). Nota-se uma tendência de queda das exportações para EUA e América Latina, além da consolidação da China como o maior destino das exportações brasileiras. A China, em 2009, ultrapassou os Estados Unidos e, em 2013, o conjunto dos países da América Latina em relação ao destino das exportações brasileiras em valores (Gráfico 5). Desde 2009, quando desbancou os EUA, a China se mantém como o principal país receptor dos produtos brasileiros.

Fonte: Comex Stat – Séries Históricas. Acesso em 22 de março de 2023. Elaboração: Instituto Tricontinental de Pesquisa Social-Brasil. Obs.: (*) em valores correntes. (1) América Latina e Caribe soma os valores da América do Sul e América Central e Caribe. (2) China soma os valores da China, Hong Kong, Taiwan e Macau.

No início da série, em 1993, EUA, América Latina e China correspondiam a 46,9% do destino das exportações brasileiras, atingindo o pico dessa participação em 2018, quando representaram 58,2%. Em 2022, essa representação foi de 53,3% (Quadro 1). Nota-se uma tendência de queda das exportações para EUA e América Latina, além da consolidação da China como o maior destino das exportações brasileiras. A China, em 2009, ultrapassou os Estados Unidos e, em 2013, o conjunto dos países da América Latina em relação ao destino das exportações brasileiras em valores (Gráfico 5). Desde 2009, quando desbancou os EUA, a China se mantém como o principal país receptor dos produtos brasileiros.

Fonte: Comex Stat – Séries Históricas. Acesso em 22 de março de 2023. Elaboração: Instituto Tricontinental de Pesquisa Social-Brasil. Obs.: (*) em valores correntes. (1) América Latina e Caribe soma os valores da América do Sul e América Central e Caribe. (2) China soma os valores da China, Hong Kong, Taiwan e Macau.

As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul


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