A importância da representatividade: ampliar a diversidade no Judiciário fortalece as decisões e a legitimidade das instituições

Ampliar a presença de mulheres e pessoas negras na cúpula do Judiciário melhoraria significativamente as decisões e a legitimidade dessas instituições, de acordo com a renomada Maria da Glória Bonelli, professora sênior do Departamento de Sociologia da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Em uma entrevista à Folha, Bonelli destacou a importância de discutir qual Brasil está sendo representado na composição do Judiciário.

Com a abertura da vaga da ministra Rosa Weber no STF (Supremo Tribunal Federal), Bonelli acredita que a declaração do presidente Lula de que gênero e cor não serão determinantes na indicação mostra uma falta de amadurecimento em relação ao entendimento do que é uma democracia.

Segundo Bonelli, a visão de que um magistrado ou ministro pode ocupar um cargo de forma competente, justa e inclusiva, independentemente do gênero ou da cor, é uma perspectiva que se naturaliza facilmente quando as pessoas estão confortavelmente sentadas em posições de poder. No entanto, para aquelas que estão distantes desse universo, é difícil enxergar um tribunal composto por pessoas semelhantes como algo representativo.

O presidente Lula tem sofrido influências políticas de seu entorno, do PT e de sua base eleitoral, o que reflete em sua declaração sobre gênero e cor não serem critérios para a indicação ao STF, de acordo com Bonelli. Ela afirma que há uma disputa e um movimento tentando demonstrar a importância da diversidade nos tribunais. Para a professora, a composição do STF fala muito sobre a sociedade brasileira, que precisa ser representada pela Suprema Corte, e não apenas pelas elites do poder.

Bonelli cita exemplos de atuações diferentes no Supremo, como o ex-ministro Joaquim Barbosa no julgamento sobre a constitucionalidade das cotas para negros nas universidades e a ex-ministra Rosa Weber ao pautar uma ação afirmativa para impulsionar a progressão de mulheres. Esses exemplos mostram que é possível haver mudanças efetivas quando a diversidade é considerada, mas também revelam a resistência existente nesse processo.

Em relação à promoção de juízes, dados do CNJ indicam que as mulheres representam 38% dos magistrados do país. No primeiro grau, esse percentual chega a 40%, enquanto na segunda instância fica em 25%. Bonelli destaca que nunca houve no Brasil uma política de ação afirmativa para o ingresso das mulheres nas carreiras jurídicas, o que revela a existência de obstáculos para a ascensão profissional delas. Ela menciona estudos que mostram que o casamento impulsiona a progressão dos homens, dificultando a mobilidade espacial das mulheres.

A resistência às mudanças também é abordada por Bonelli. Ela destaca a atuação dos tribunais do país em resistir à criação do CNJ e ressalta que essa resistência também existe internamente no próprio Judiciário. A professora enfatiza que as mulheres enfrentam obstáculos no caminho da progressão profissional, desde perguntas desconfiadas durante entrevistas de seleção até a padronização em termos de vestuário e penteado. Ela acredita que a aprovação de mudanças é apenas o primeiro passo e que é importante que as pessoas estejam dispostas a ouvir sobre essa questão.

Maria da Glória Bonelli, de 66 anos, é graduada em ciências sociais pela UFRJ, mestre pela PUC-SP e doutora pela Unicamp. Ela é autora de estudos sobre profissões jurídicas e gênero, incluindo o livro “Profissionalismo, Gênero e Diferença nas Carreiras Jurídicas” (EdUFSCar).

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