A surreal experiência de provar sorvete de azeitona na Provence, sul da França

A vida tem seus lances engraçados. Eu, como um jornalista especializado em assuntos supérfluos, me deparei com uma situação inusitada em um quarto de hotel rural na Provence, sul da França. O ambiente era digno de um flyer da L’Occitane, com móveis pseudo-rústicos, uma banheira no meio do quarto e um cheiro de lavanda que impregnava o ambiente.

Nesta ocasião, havia uma pequena mesa com alguns presentes para mim. E o melhor tipo de presente: comestíveis. Havia biscoitos de mel, torradinhas de amêndoas com alho e uma pasta preta de azeitonas.

A região da Provence, conhecida por seus olivais, produz azeitonas de alta qualidade e feitas de forma artesanal. Com meu conhecimento básico de francês, consegui entender a etiqueta do pote de azeitonas: “confit’olive”, uma conserva de azeitonas.

Curioso, peguei uma torrada de alho e provei a pasta de azeitonas. Para minha surpresa, era doce. Ao examinar a etiqueta mais de perto, percebi que o segundo ingrediente da pasta era açúcar.

Decidi explorar mais a região e me deparei com uma sorveteria chamada Ravi, em Lourmarin. Entre os sabores oferecidos, estava o sorvete de azeite com pinoli e azeitonas pretas confeitadas. Por curiosidade e senso de dever jornalístico, decidi provar o sorvete.

A palavra “interessante” é a melhor forma de descrevê-lo. Assim como quando encontramos alguém apenas “interessante” como potencial parceiro, experimentar o sorvete uma vez foi o suficiente.

Mais tarde, durante um jantar no restaurante do hotel Le Moulin, tive a oportunidade de provar a sobremesa do sorvete de azeitona preta. E no topo do Luberon, no La Bastide, fui surpreendido com uma sobremesa ainda mais exótica: sorvete de azeitona preta com texturas de chocolate e azeitonas pretas açucaradas.

No dia seguinte, acordei com uma ressaca moral. Parecia que a Provence estava determinada a me fazer experimentar azeitonas doces a todo custo.

É compreensível estranharmos doces feitos com azeitonas. Ao longo da história, a azeitona sempre foi vista como um alimento salgado, devido ao uso do sal como tratamento químico para torná-la palatável.

Na culinária, existem convenções sociais que definem o que é doce e o que é salgado. Por exemplo, no Brasil temos a goiabada e a bananada, pois o solo brasileiro favorece as goiabeiras e bananeiras. Se as oliveiras fossem tão abundantes quanto as jabuticabeiras, teríamos a “azeitonada” doce como a francesa.

Essa carga cultural é difícil de ser superada. Brasileiros estranham doces de arroz e feijão comidos pelos japoneses, assim como os imigrantes japoneses no Brasil ficaram horrorizados com o arroz e feijão salgados.

Mesmo que a Provence tente nos convencer de que o doce de azeitona é algo extraordinário, ainda somos confrontados com milhares de anos de obstáculos culturais. Quem sabe na próxima vida eu conseguirei superá-los.

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