Crise de água leva governo espanhol a declarar estado de emergência em Barcelona e outras regiões do país, causando preocupação em pesquisadores.

A Catalunha terminou 2023 com os reservatórios de suas bacias internas com cerca de 17% de sua capacidade, mas esses registros têm caído ao longo das últimas semanas, o que levou o governo a ativar o estado de emergência na área metropolitana de Barcelona com restrições mais severas: proibiu-se a utilização de água para a lavagem de veículos, tampouco se poderão usar regadeiras em ginásios e lugares de uso público e não se pode usar água para encher piscinas privadas e públicas. A situação é igualmente crítica em Andaluzia, sobretudo na bacia de Guadalete-Barbate, como também em Guadalquivir, Andaluza, Região de Murcia e Segura.

Annelies Broekman, pesquisadora do Centro de Investigação Ecológica e Aplicações Florestais, reconhece que “a situação é muito triste, dramática”: “Passamos muitos momentos em que se esperava que chovesse muito e não choveu. As restrições tampouco evitaram. Nos encontramos com os limites de nosso sistema. A escassez está em nossas próprias mãos, pois a seca é um fenômeno natural agravado pela mudança climática”. Lucia De Stefano, subdiretora do Observatório da Água na Espanha, indicou que em alguns pontos do país, como Andaluzia, Catalunha e Murcia, “a situação é preocupante”: “No caso do abastecimento de Barcelona, a dificuldade está no fato de que são bacias curtas porque as montanhas estão próximas do mar, não há grandes reservatórios e há uma grande aglomeração urbana. Assim, não têm esse colchão de segurança. Enquanto em Andaluzia sucede o contrário: há muito regadio e, embora tenham sido aplicadas restrições, a demanda é muito alta e a reserva se vê afetada”.

Para Broekman, uma das chaves para enfrentar a seca e seus estragos é uma “mudança de modelo”: “O atual é tão explorador, não só de água, também de território, energia, materiais. Temos que entender que aumentar o regadio não é uma opção. Que as indústrias consumidoras de água tampouco. Temos que revisar os projetos econômicos com um olho no território e no que realmente importa, que é que estejamos vivos. E isto deve ser feito por toda a Espanha, a úmida e a seca. Temos que mirar novas formas de fazer com que a manutenção do território seja fonte de trabalho e bem-estar para as pessoas”.

Diante desta crise da seca, o Executivo espanhol, presidido pelo socialista Pedro Sánchez, aprovou com urgência na semana passada uma série de medidas de “máxima prioridade”: haverá um investimento para a luta contra a seca de cerca de cinco bilhões de euros até 2027 para a modernização dos regadios e outros 813 milhões para infraestruturas de dessalinização, ou seja, a reconversão da água salgada do mar em água que possa ser de consumo humano. O próprio mandatário espanhol reconheceu: “lamentavelmente já não se trata de conjurar uma ameaça incerta, mais ou menos provável, mas de adaptarmos aos efeitos de algo que já está aqui, entre nós, nas cidades e em nosso campo, que é, a mudança climática”.

Lei de memória democrática

O direitista Partido Popular (PP) e a extrema-direita do Vox aprovaram, no Parlamento regional da comunidade autônoma de Aragão, a revogação da lei de memória democrática, que servia como amparo legal e institucional para a busca dos restos mortais de milhares de reprimidos durante a ditadura franquista (1936-1975), que seguem enterrados em fossas comuns. A revogação desta lei havia se convertido em um dos cavalos-de-batalha da extrema-direita, com líderes que abertamente defendem as “bondades” da ditadura e que nunca viram com bons olhos a exumação das vítimas da repressão.

Depois do acordo do governo autônomo, fruto das eleições de maio de 2023, o PP cedeu às exigências do Vox e aprovou a revogação da lei, à qual se opuseram os demais partidos; Partido Socialista Operário Espanhol, Podemos, la Chunta Aragonesista, Teruel Existe e Esquerda Unida. Durante o debate, um grupo de pessoas, a maioria familiares de vítimas do franquismo, se concentraram às portas do recinto para exibir um enorme cartaz no qual se lia: “Derrogareis a lei, mas não a Memória”. O porta-voz de Vox, Santiago Morón, chamou a antiga lei de “nefasta”, já que “foi uma ferramenta política de agitação social que serviu para abrir feridas e construir um relato desenhado visando enfrentar à sociedade espanhola do século 21”.

Enrique Gómez Arnas, da Associação para a Recuperação da Memória Histórica de Aragão, denunciou que “com muito esforço se conseguia, tardia e minimamente, desenterrar alguns daqueles inocentes, vítimas de uma repressão, ferozmente aplicada, sobre o melhor da sociedade espanhola durante os anos de impunidade. Hoje, gente que nunca renegou esse regime assassino tenta enterrar aqueles que tanto tempo custaram voltar a trazer à luz, por sua dignidade e a toda a sociedade… Tanto lhes molesta uma lei que outorga direitos às vítimas do franquismo? Onde essa atitude coloca toda a direita espanhola?

“Hoje é um dia triste, sem assumir o passado não se pode afrontar o futuro com garantias, nem verdadeira convivência. Nós vemos isso claramente, já atravessamos o deserto em demasiadas ocasiões; mas não se equivoquem, seguiremos na luta até conseguir a verdade, a justiça e a reparação, para que esta sociedade reconheça a dignidade daqueles que lutaram para que a ditadura não volte a se repetir nunca mais!”, agregou.

Armando G. Tejeda | La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava


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