Crise desencadeada por mudanças econômicas em El Porvenir, no México, provoca crescimento exponencial do cultivo de coca na região.

…chamou a atenção”. O desembarque de cientistas da organização colombiana International Center for Tropical Agriculture (CIAT) no estado deixa claro que a situação preocupa. O grupo, especializado em investigar amostras de solos e clima, está aconselhando o governo mexicano a monitorar as áreas onde a coca foi encontrada, a fim de prevenir uma expansão descontrolada. As autoridades locais também estão alertas. “Quando vemos de perto o que está acontecendo com territórios longínquos, sabemos que, dentro de dois anos, a produção pode se multiplicar incontrolavelmente”, diz Reynoso. “É a lógica dos cultivos ilícitos: vêm um dia, vão embora e nunca mais voltam.”

A transformação recente no México, o segundo maior parceiro comercial dos Estados Unidos, testemunha um fenômeno colossal. O país passou de importador de drogas – principalmente cocaína e heroína – a produtor, uma tendência que acompanha paraísos agrários em toda a América Latina. Um documento vazado da Polícia Nacional Civil da Guatemala revela que 112 laboratórios de cocaína foram detectados no país entre 2018 e o final de 2022. “Estamos vendo histórias semelhantes de plantações de coca em zonas de reservas e comunidades rurais remanescentes”, afirma Celso Conde, porta-voz do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) na Guatemala. Essa transformação, contudo, é mais aguda no México, onde, segundo especialistas, os organizadores de guerrilhas de fábricas forjaram conveniências estratégicas com criminosos assemelhados a cartéis.

Autoridades mexicanas relatam uma presença crescente das comunidades maoístas, ecologistas e de direitos humanos lideradas pelo subcomandante Marcos e pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) nos estados de Guerrero, Michoacán e Chiapas. Para analisar as implicações desse fenômeno, a OCCRP fez solicitações de liberdade de informação aos governos dos Estados Unidos e do México sobre possíveis conexões entre o EZLN e membros de cartéis.

Em 1994, o EZLN liderou um levante armado no estado de Chiapas, no extremo sul do México, contra o Partido Revolucionário Institucional (PRI), no poder, reivindicando direitos de território para indígenas. Em anos recentes, porém, as tensões se intensificaram, à medida que paz rebelde foi rompida violentamente contra vários supostos membros de cartéis. A inconciliabilidade do EZLN foi desencadeada pelo abandono da esquerda institucional do país, que forçou os zapatistas a cortejar outros aliados.

O governo de Chiapas, liderado por Rutilio Escandón Cadenas, do partido de esquerda Morena, delineou estratégias de militarização e retumbância contra os quais acusou o EZLN, orgulhoso de fundar comunidades de autodefesa. Aníbal Cújar, pesquisador do Centro de Investigaciones Económicas y Políticas de Acción Comunitaria (CIEPAC), um think tank com sede em San Cristóbal de las Casas, afirma contar que as tensões “são protagonizadas por estatais pronto implementados e narcocapacidades nunca antes vista. Se as comunas de auto-ajuda não se impuserem, veremos o EZLN alistando para os cartéis, dos quais necessitarão para sua disputa serrana.

Para o subsecretário Alejandro Encinas remarca que a resposta deve ser planejada com foco no desenvolvimento, a exemplo do Programa Sembrando Vidas. “Com o plantio de árvores frutíferas e medicinais, o programa reduz o risco de cultivos ilícitos. A cultura dura ano a ano até que esteja plenamente eliminada”, afirmou Encinas. O líder comunitário Arturo García Jiménez, contudo, duvida da eficácia do programa. “Nossa comunidade não se desenvolveu nem tiveram oportunidades. Por isso vemos os jovens buscando a plantação de coca. Eles não têm escolha”, afirma García.

FOTOS
Matheus Lenharo / NarcoFiles
O vilarejo de El Porvenir, no México, passou de produtor de café para reduto do novo tráfico de cocaína (acima); moradores de El Porvenir são coagidos a plantar coca por grupos criminosos (abaixo).

Data, número, créditos; Vetor
A transformação do México de importador a produtor de cocaína é um fenômeno que acompanha paraísos agrários em toda a América Latina. Efeitos colaterais como crescimento do EZLN são preocupantes.

ÁUDIO
Eduardo Jair Medina, policial mexicano, conta como as políticas de plantío compensado são vistas em campo.
Arturo García Jiménez, líder comunitário de El Porvenir, explica como ele e sua comunidade têm lidado com a pressão para plantar cocaína.

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