Desertificação iminente: A seca histórica na Amazônia levanta preocupações sobre o futuro da floresta e a possibilidade de um bioma semelhante ao cerrado.

A seca ocorrida este ano na Amazônia resultou em uma situação devastadora, com rios em níveis históricos baixos. Como consequência, comunidades inteiras ficaram isoladas e tiveram dificuldades para obter alimentos e água potável. Além disso, o clima seco tem contribuído para o aumento das queimadas, o que destrói florestas, plantações e polui o ar. Esse aumento nos períodos de estiagem coloca em alerta o presente e o futuro da região, segundo a comunidade científica, que adverte para os riscos das mudanças climáticas e do desmatamento em relação à sobrevivência da floresta.

Em entrevista à DW, Carlos Nobre, climatologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e referência mundial em estudos sobre mudanças climáticas, falou sobre a atual seca na região amazônica, o possível colapso irreversível da floresta e as formas de reverter essa situação. Segundo seus estudos, a Amazônia pode perder suas características de floresta tropical úmida e se tornar um bioma semelhante ao cerrado, passando por um processo de “savanização”.

Nobre explica que esse processo ocorreria devido às mudanças climáticas que estão afetando a região. O aquecimento global está causando um prolongamento da estação seca, devido ao fato de que a pastagem recicla menos água do que a floresta. A estação seca já está se tornando mais longa em todo o sul da Amazônia, o que leva à substituição gradual da floresta por uma vegetação de céu aberto, com menos árvores e menos armazenamento de carbono. Se esse processo continuar, a floresta deixará de existir como a conhecemos atualmente.

A seca deste ano já é considerada histórica e pode ser vista como um sintoma desse processo de desertificação. Nobre destaca que as secas estão se tornando mais frequentes na Amazônia, com cinco ocorrendo nos últimos 20 anos. Isso está relacionado ao fenômeno El Niño no oceano Pacífico Equatorial, mas também ao aquecimento global. Essas secas estão acelerando a degradação da floresta, o que pode levar à mudança drástica no bioma se atingirmos o ponto de não retorno.

Atualmente, o desmatamento na Amazônia está em torno de 17%, e estudos indicam que a região pode atingir o ponto de não retorno em menos de duas décadas, se o ritmo de desmatamento continuar. Nobre ressalta que os impactos desse processo já estão sendo observados, como o aumento da mortalidade de árvores e da duração da estação seca. No entanto, ele acredita que ainda é possível reverter essa situação se forem tomadas medidas urgentes.

Para zerar o desmatamento, Nobre destaca a necessidade de ações imediatas em todo o sul da Amazônia, onde o ponto de não retorno está próximo. Além disso, ele propõe o projeto Arcos da Restauração Florestal, que visa restaurar pelo menos 500 mil km² de floresta, um quarto da área desmatada e degradada na Amazônia.

O cientista enfatiza ainda a importância de buscar soluções baseadas na natureza e desenvolver uma nova economia para a região amazônica. Isso inclui valorizar o conhecimento dos povos indígenas e das comunidades locais, os sistemas agroflorestais e os produtos da biodiversidade. Segundo Nobre, os indígenas têm um conhecimento fundamental sobre a convivência com a floresta e é preciso aproveitar essa sabedoria para encontrar soluções sustentáveis.

Caso a Amazônia entre nesse processo de degradação extrema e desertificação, as consequências serão graves não apenas para o Brasil, mas para o mundo. A região armazena grande quantidade de carbono no solo e, se ultrapassar o ponto de não retorno, poderá liberar cerca de 250 bilhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera, dificultando ainda mais o cumprimento das metas do Acordo de Paris. Além disso, a floresta regula a temperatura e recicla água, fornecendo chuvas para diversas regiões da América do Sul. A perda desse serviço ecossistêmico teria impactos significativos na agricultura e na biodiversidade, levando à extinção de muitas espécies endêmicas da região.

Os eventos extremos, como secas severas, já estão se tornando mais comuns na Amazônia e em todo o planeta, devido ao aquecimento global. A temperatura tem aumentado e os meses de junho, julho, agosto e setembro foram os mais quentes da história. Caso não sejam tomadas medidas urgentes para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e combater o desmatamento, esses eventos extremos tendem a se intensificar nos próximos anos.

Portanto, é crucial agir agora para zerar o desmatamento, restaurar áreas degradadas e promover uma economia sustentável na Amazônia. Somente assim será possível evitar o colapso irreversível da floresta e garantir um futuro melhor para a região e para o planeta como um todo.

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