Enfermeiro coleciona histórias inspiradoras ao captar órgãos para doação em meio a realidades onde a morte é predominante.

Enfermeiro se especializa em captação de órgãos para transplante e enfrenta desafios emocionais

André Ramos Carneiro, um enfermeiro brasileiro, teve um encontro que marcaria sua carreira e vida profissional quando estava no primeiro ano de trabalho. Há cerca de 14 anos, ele teve que conversar com uma mulher que havia passado por uma tragédia familiar. Os ladrões invadiram a casa onde ela morava em São Paulo e, após uma reação inesperada, acabaram atirando no peito de seu pai e na cabeça de seu irmão. O pai infelizmente não resistiu aos ferimentos e morreu pouco depois. O irmão foi levado ao hospital, mas, após dois dias, foi declarado com morte cerebral, o que o qualificava como um possível doador de órgãos. Como funcionário do serviço de transplante de órgãos, Carneiro ligou para a irmã da vítima e teve uma conversa emocionante com ela. Apesar de estar velando a mãe que acabara de falecer devido a um ataque cardíaco, a mulher autorizou a doação dos órgãos de seu irmão. Essa experiência marcou profundamente o enfermeiro.

Atualmente, aos 41 anos, Carneiro continua trabalhando no sistema de captação de órgãos para transplantes. Ele já passou por diversos hospitais, incluindo o Hospital das Clínicas de São Paulo, o Hospital Israelita Albert Einstein e o Hospital Geral de Guarulhos. Atualmente, ele trabalha no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em um hospital público no bairro do Grajaú, na capital paulista. Como especialista em tanatologia, o estudo científico da morte, Carneiro realiza diariamente um trabalho delicado e desafiador: conversar com familiares que acabaram de perder um ente querido para saber se eles autorizam a doação de órgãos.

Em uma entrevista à BBC News Brasil, Carneiro conta como decidiu seguir essa carreira e quais são as etapas e critérios para a doação de órgãos no Brasil. Ele ressalta que os profissionais de saúde geralmente veem os hospitais como lugares de cura, mas na realidade eles se tornaram os locais onde as pessoas morrem. Carneiro acredita que a doação de órgãos faz uma tremenda diferença na vida das pessoas que aguardam por transplantes e decidiu se especializar na identificação de potenciais doadores. Ele busca entender quem era a pessoa em vida para descobrir se ela tinha o desejo de ser doadora de órgãos.

Falar sobre doação de órgãos com familiares que acabaram de perder um ente querido é um momento delicado e doloroso. Carneiro destaca a importância de uma abordagem humana e respeitosa, de respeitar o momento de choque e tristeza inicial dos familiares. Ele acredita que a melhor coisa que pode ser oferecida nessa hora é o silêncio. Somente quando os familiares estão em um momento mais calmo e de aceitação é que há uma oportunidade de falar sobre doação de órgãos. Carneiro também destaca a importância de esclarecer que a pessoa está realmente morta e que não há mais nada a ser feito, especialmente em um país religioso como o Brasil, onde a esperança de um milagre pode persistir.

Durante a pandemia de Covid-19, o trabalho de Carneiro se tornou ainda mais difícil. Ele trabalhou em uma tenda montada para receber pacientes infectados e viu muitas mortes durante esse período. No entanto, devido à falta de estudos que garantissem a segurança dos órgãos de pacientes com Covid-19, as doações foram suspensas. Carneiro ressalta que a pandemia afetou não apenas os pacientes, mas também os profissionais de saúde que estavam constantemente em contato com o vírus. Ele acredita que seu estudo prévio em tanatologia o ajudou a lidar com a situação e a ter uma abordagem mais espiritual e compassiva em seu trabalho.

Para Carneiro, seu trabalho vai além do corpo físico, ele vê uma conexão com algo mais elevado. Ele fecha os olhos dos pacientes falecidos com uma oração, reconhecendo a importância espiritual do momento. O enfermeiro também reforça o papel dos profissionais de saúde no esclarecimento sobre a doação de órgãos e em responder a quaisquer dúvidas que as famílias possam ter. Ele enfatiza que o processo de doação não deixa o corpo desfigurado e que os ritos fúnebres podem ser realizados normalmente.

Apesar dos desafios emocionais que enfrenta em seu trabalho, Carneiro continua comprometido em ajudar as pessoas através da doação de órgãos. Ele acredita que sua missão é ver a vida onde a morte prevalece e busca trazer esperança e compreensão para as famílias que enfrentam a dor da perda. Sua especialização em tanatologia e sua abordagem compassiva tornam-no um profissional valioso no processo de doação de órgãos no Brasil.

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