Estratégias reacionárias de Milei na presidência da Argentina levam a protestos e divisões sociais profundas.






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A mais ampla unidade

A derrota do Juntos por el Cambio (JxC) abriu rapidamente um cenário de crise dentro da coalizão. Embora Patricia Bullrich tenha criticado Milei durante toda a campanha, nem mesmo uma semana após o resultado da eleição, junto com Mauricio Macri, não hesitou para apoiar o candidato de extrema direita.

A decisão, não consultada em seu próprio espaço político, foi justificada com o argumento de que era uma questão de apoiar as “forças da mudança”. As fraturas no Juntos por el Cambio (JxC) se aprofundaram. Vários líderes do espaço declararam publicamente que não votariam em Milei.

Com a aproximação do dia da eleição, cada vez mais instituições começaram a se manifestar contra a candidatura de Milei. Inclusive, alguns dias antes das eleições, até mesmo as grandes associações de empresários do setor agronegocio, reunidas na Sociedade Rural Argentina, emitiram um comunicado expressando sua preocupação com uma possível vitória de Milei.

Nunca na história da Argentina tantas instituições tinham se manifestado numa eleição: desde partidos políticos até a igreja, clubes de futebol, sindicatos e até fã clubes musicais. E, ainda assim, a crise de representação foi mais forte. Nunca na história argentina houve uma distância tão abismal entre as diferentes expressões institucionais e o comportamento social.

A votação destacou as fraturas sociais da Argentina. Uma sociedade implodida, depois que as mediações sociais contiveram sua raiva para que ela não explodisse. E, na noite de 22 de outubro, Javier Milei venceu com 55,6% dos votos contra Sergio Massa.

Ordem reacionária

A chegada de Milei à presidência transforma a Argentina em um novo bastião da extrema direita global, que mais uma vez tem presença em um dos três maiores países da América Latina. Javier Milei, em conjunto com os autodenominados libertários na Argentina, faz parte de uma corrente global “antiprogressista” que, com todas as suas diferenças, tem conseguido construir um terreno comum e trocar conhecimentos. Tanto é assim que vários dos técnicos que trabalharam na campanha de Milei, como o consultor político Fernando Cerimedo, foram assessores das campanhas do clã Bolsonaro ou Kast no Chile.

A vitória de Milei na Argentina coincide com a vitória de Geert Wilders, líder da extrema direita holandesa. Dois países onde a cultura progressista e igualitária está profundamente enraizada e onde a irrupção da extrema direita se mostrava improvável.

A posse presidencial no dia 10 de dezembro foi carregada de um profundo simbolismo. De costas para o Congresso, Milei pronunciou um discurso diante de uma multidão que tinha se juntado para acompanhá-lo. Seu discurso evitou eufemismos, afirmou de forma clara que seu governo pretende fazer mudanças “revolucionárias”, terminando com a “casta política”.

Com um discurso maximalista, a “casta” que ele afirma enfrentar é basicamente qualquer um que se oponha às suas reformas.

Ao contrário da direita clássica, Milei não se apresenta como o líder de uma equipe de tecnocratas que pretende solucionar uma crise econômica. Mas sim como o líder de uma força social que luta por um horizonte utópico que ele chama de “ideias de liberdade”. Um horizonte de revolução reacionária.

Quanto Milei conseguirá mudar a Argentina ou quanto a Argentina mudará Milei? Com apenas uma minoria parlamentar, Javier Milei tem consciência de sua fraqueza institucional. Portanto, sabe que terá de escolher entre depender de sua base social mobilizada ou do poder institucional emprestado pela “casta politica”.

O cuidado com que montou seu gabinete é um testemunho disso. Com integrantes vindos de todos os espaços políticos, desde representantes do macrismo aos antigos líderes peronistas, Milei formou um gabinete com o cuidado de “não depender de ninguém”.

Consciente de sua fraqueza, as primeiras medidas de Milei são uma aposta para “ir com tudo”. 48 horas após assumir o cargo, o governo apresentou um pacote ambicioso de medidas econômicas. O pacote de austeridade  inclue uma mega desvalorização do peso argentino da ordem de 54% e a intenção de cortar os gastos públicos em cerca de 5% do PIB, o equivalente a US$ 20 bilhões (cerca de R$ 100 bi).

Além disso, o governo publicou um severo protocolo que busca limitar e reprimir os protestos sociais na Argentina. “Se tomarem as ruas, haverá consequências”, advertiu Patricia Bullrich, ministra da Segurança. Tornando o confronto com os setores que protestam uma parte central de seu discurso.

Ao mesmo tempo, Milei apresentou um ambicioso Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) que visa modificar 366 leis sem passar pelo Congresso. Ao arrogar para si a soma dos poderes da república, o DNU é apresentado como “a reforma mais ambiciosa” dos últimos 40 anos. Em outras palavras, a reforma econômica e social mais ambiciosa desde aquela imposta pela última ditadura militar.

Elas são um conjunto de medidas para viabilizar um gigantesco corte nos direitos trabalhistas, flexibilização econômica, redução do patrimônio público (privatizando as empresas do país).

A partir desse momento, os protestos auto-organizados começaram a ser realizados durante a noite, conhecidos como cacerolazos, principalmente na cidade de Buenos Aires, em repúdio à DNU. A vitória eleitoral de Milei não é uma vitória hegemônica. Ele ainda terá que enfrentar as lutas de rua de uma sociedade com grande capacidade de mobilização e bloqueio das políticas governamentais.

Diante dessa situação, as centrais sindicais e os movimentos sociais têm manifestado publicamente seu repúdio e mobilização. Na luta entre o movimento popular e o governo de Milei, está em jogo a possibilidade de a ultradireita conseguir levar adiante suas reformas históricas, desmantelando anos de conquistas de direitos.

Com esse cenário, o país dá boas vindas a 2024.




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