Ex-cultivador de coca se torna guerrilheiro das Farc após abandonar plantação e revela a conexão entre a guerrilha e as drogas

Misael coça a cabeça e confessa que pensou em vender sua terra para ir com sua esposa a alguma cidade para abrir um pequeno negócio. O repórter sem-terra encontra um par de dias depois um ex-cultivador de coca, agora guerrilheiro da frente 33 das dissidências das Farc. Seu nome de guerra é Albeiro e está “ranchando” (cozinhando) em um acampamento junto a cerca de 20 jovenzinhos que terão seu armamento em alguns dias, quando terminarem o curso militar de três meses que estão fazendo.

– O senhor não estaria interessado em comprar essa terrinha, jornalista? – me pergunta com picardia.

A última colheita me deixou 500 mil pesos (120 dólares) assim que decidi deixar a coca e vir para a guerrilha – diz Albeiro, que esclarece que na realidade está de regresso, pois já havia sido combatente antes da assinatura dos acordos de paz de 2016. Aponta para a formação militar onde se empurram entre si os rapazes e diz que muitos deles eram “raspachines” há poucos meses. Uma evidência a mais de que a guerrilha e a coca sempre caminham de mãos dadas, comenta Albeiro.

Daniel, um advogado que assessora as Farc, chega ao acampamento e se senta para conversar com “Richard” sobre as últimas notícias dos contatos com o governo para abrir uma mesa de diálogos. É impossível evadir o assunto dos cultivos de uso ilícito em uma negociação, mas – diz o jurista – há que fazê-lo de uma maneira criativa.

– Não há que acabar com os cultivos de coca, ao contrário, há que estimulá-los, mas não para produzir cocaína, e sim remédios – diz.

Se há diálogos de paz, este será um dos temas que se discutirá na mesa de conversações.

A guerrilha

O campo de reabilitação de dependentes químicos está rodeado de um mar de plantações de coca. Cerca de 100 jovens, mulheres e homens, vivem ali em alojamentos austeros, mas limpos e cômodos, onde descansam após extenuantes jornadas de trabalho.

Segundo “Richard”, o campo foi criado pelas Farc para atender o clamor de centenas de mães que viam seus filhos se precipitarem pelo abismo do “perico” (cocaína) e o bazuco, um pó residual do processamento da cocaína que se fuma compulsivamente.

Ao lado do lugar se erige uma curiosa edificação de paredes altas, com uma chaminé enorme, onde se processa a cana-de-açúcar para convertê-la em rapadura: um trapiche. Enquanto trabalha sob os raios do sol implacável, uma mãe de três filhos conta que passava o dia fumando bazuco em sua casa e à noite cheirando cocaína em um prostíbulo, onde conseguia dinheiro para “pagar o vício”. Alta, morena e esbelta, seu rosto exibe os traços da dependência e suas olheiras profundas revelam todo o tempo que chorou por seus filhos.

– Estou há um mês e meio aqui e me sinto muito melhor, mas não quero ir embora, pois temo a recaída – confessa com um mirada diáfana que parece mais uma súplica de ajuda.

O comandante guerrilheiro presencia nossa conversa e comenta que a guerrilha está se ocupando do que deveria fazer o Estado. “Também construímos estradas e pontes, reflorestamos a região e dotamos as escolas para que as crianças possam estudar”, assevera “Richard”.

Em Tibú, nunca se apaga a esperança da paz, assim como não se apaga jamais o relâmpago do Catatumbo.

Jorge Enrique Botero | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.

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