Formação de leitores e pluralidade literária: desafios e reflexões sobre a lista da Fuvest e o ensino de literatura no Brasil.






Reflexões sobre a formação de leitores e a lista de vestibular da Fuvest

3.

Nos últimos anos, temos testemunhado um aumento na visibilidade de escritores afrodescendentes na literatura brasileira. Isso é um avanço significativo, no entanto, é preocupante que grandes talentos como Gilka Machado e Edimilson de Almeida Pereira ainda recebam menos atenção do que poetas de qualidade literária inferior.

Isso levanta questões sobre a real abertura à pluralidade na literatura brasileira contemporânea, pois parece que houve apenas uma substituição de alguns autores canônicos por outros. Isso tem um impacto direto na formação dos estudantes, desde o ensino básico até os cursos de graduação em Letras e Estudos Literários. Muitos chegam às instituições educacionais com um repertório literário limitado, o que também reflete na formação dos professores de língua portuguesa.

Esse cenário é confirmado por relatos de práticas pedagógicas, como o questionamento de um estudante universitário sobre a abordagem crítica de Antônio Vieira em detrimento da leitura direta de suas obras. Além disso, há relatos de pais que se opõem à leitura de textos como a carta de Pero Vaz de Caminha em razão de seu conteúdo racista e colonial.

Essas situações levantam um questionamento crucial: como proceder diante desse cenário? Devemos ignorar autores clássicos como Camões, Pero Vaz de Caminha e Antônio Vieira na formação escolar e acadêmica? Além disso, a leitura literária tem sido vista de maneira superficial e confortável, prejudicando a capacidade dos leitores de confrontar ideologias distintas e expandir seu repertório cultural.

4.

Autores como Érico Andrade e João Paulo Lima Silva e Filho destacam a importância do pluralismo na literatura, mas alertam para a negligência das abordagens nos estudos literários atuais. Essa falta de pluralismo também afeta áreas vizinhas e outras disciplinas escolares, contribuindo para um empobrecimento do repertório cultural dos estudantes.

É preocupante, portanto, que as discussões sobre literatura estejam limitadas ao perfil biográfico dos autores, como no caso da contestação do lugar de fala de Clarice Lispector para escrever A hora da estrela. Isso revela a necessidade de uma compreensão mais aprofundada da historicidade e contradições presentes na vida dos escritores, e como isso se reflete em suas obras.

5.

A lista de obras literárias exigida no vestibular da Fuvest tem um impacto significativo na formação dos leitores no Brasil, especialmente em um contexto de desigualdades estruturais e perda de alfabetização e escolarização. A centralidade e a reputação da USP destacam ainda mais a influência dessa lista na educação brasileira como um todo, afetando desde o livro didático até a formação dos professores.

Diante desse cenário, é essencial repensar a forma como as obras literárias são selecionadas para essas listas, considerando não apenas seu valor simbólico, mas também o impacto na formação dos estudantes e na qualidade do ensino nas escolas públicas.

Em resumo, as discussões em torno da lista de obras para o vestibular evidenciam a necessidade de repensar a educação literária e a formação de leitores no Brasil, levando em conta a diversidade de perspectivas e estilos, bem como os desafios enfrentados pelos educadores no cenário atual.

(*) Luciana Molina é doutora em Teoria e História Literária pela Unicamp. Atualmente, é professora de Língua Portuguesa e Literatura da Secretaria do Estado de Educação do Espírito Santo.




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