Livro “As Crianças dos Ataques Aéreos” retrata a realidade da guerra na Ucrânia e denuncia violência contra crianças em texto provocador.




Especial – As Crianças dos Ataques Aéreos

Especial – As Crianças dos Ataques Aéreos

As Crianças dos Ataques Aéreos: Da Guerra da Ucrânia para o Mundo

Antes de falar do livro, é preciso falar das pessoas. E da tragédia que afeta essas pessoas. E de como a morte, a violência e a dor muitas vezes não cabem em palavras. Por isso, este texto começa com números.

Segundo um relatório da Human Rights Watch de janeiro, ao menos 9.614 civis ucranianos foram mortos na Guerra da Ucrânia até setembro do ano passado, enquanto 17.535 ficaram feridos. O mesmo levantamento diz que o país tem hoje 174 mil quilômetros quadrados contaminados com minas terrestres e explosivos —o mesmo que 116 parques Ibirapuera. De acordo com comunicado feito pela Unicef em 2023, 82% das crianças ucranianas enfrentam uma situação de pobreza, sendo que 5 milhões de meninos e meninas estão sem acesso à escola e à educação.

É esse o cenário que gerou “As Crianças dos Ataques Aéreos”, livro da escritora Larysa Denysenko e da ilustradora Olena London, ambas ucranianas. O título chega agora ao Brasil pela editora Camaleão, traduzido da versão em inglês.

Escrito com a guerra no quintal, o texto é conduzido por uma narradora que nasce num abrigo antiaéreo do país e desenvolve uma espécie de superpoder, com o qual consegue se comunicar com outras crianças que vivem sob bombardeio russo em diversas regiões da Ucrânia.

Essa é a chave para que Denysenko comece a contar histórias de garotos e garotas ucranianos, numa mistura de ficção com altas doses da realidade nascida da guerra, que ainda cerca a escritora, moradora de Kiev.

A menina Leia, por exemplo, prepara bolinhos em Lviv para refugiados que chegam à cidade. Arthur sonha em produzir filmes em Ismail, na região de Odessa, que foi palco de massacres. Alina se protege com a avó numa estação subterrânea de metrô. Anya fugiu de Mariupol, após a região ser atacada pelo exército inimigo. Já Yasya não quer fazer xixi para não ficar com sede, já que a água potável acabou onde ela vive.

Outra das personagens é Polina, inspirada na garota de dez anos que tinha esse mesmo nome e foi assassinada na capital ucraniana pela Rússia. “Kyiv sussurrará seu nome junto às folhas das castanheiras”, diz o texto, mostrando a importância de “As Crianças dos Ataques Aéreos”.

Prestes a completar dois anos, a Guerra da Ucrânia cada vez mais deixa o campo do horror para se tornar algo habitual. Se conflitos, bombardeios, mortes e violações dos direitos humanos desaparecem silenciosamente das manchetes e dos debates, trabalhos como o de Denysenko e London se tornam fundamentais para que as vítimas continuem tendo seus nomes sussurrados, numa rebeldia que tenta evitar o esquecimento da barbárie.

O livro consegue fazer isso num diálogo que não é simples, na esfera infantil. E chega lá escolhendo evidentemente um lado, sem medo de demarcar posições nem de chamar soldados russos de “malfeitores”, “forças do mal” ou até de “demônios”, por exemplo.

Denysenko opta por esse caminho porque, em primeiro lugar, além de escritora e jornalista, ela é também uma conhecida ativista. Em 2017, por exemplo, publicou o livro infantil “Maya and her Friends”, no qual a personagem principal tem duas mães e o universo LGBTQIA+ é abordado. Na época, 15 grupos extremistas ucranianos acusaram a edição de “destruir os valores tradicionais” do país e ameaçaram a escritora, que se viu obrigada a cancelar sua participação num evento organizado por uma biblioteca infantil de Lviv.

A história de Maya, criada após a anexação da Crimeia pela Rússia e antes da atual guerra, ganhou no ano passado uma reedição que tem o lucro revertido para crianças afetadas pelos conflitos de hoje. “Escrevo este prefácio no banheiro da minha casa, em Kiev, sob o estrondo do fogo de um bombardeio russo”, diz a autora no texto introdutório dessa nova edição.

É aí que chegamos ao segundo ponto da mensagem anti-Moscou de “As Crianças dos Ataques Aéreos”. Manter a frieza, a calma e a imparcialidade enquanto bombas e mísseis despencam ao redor é bem difícil, senão impossível. Principalmente quando geram explosões que já mataram ao menos 545 crianças e feriram outras 1.156 —isso até agosto do ano passado, de acordo com números da Unicef.

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