Projeto de marco temporal para demarcação de terras indígenas pode ser considerado inconstitucional pelo STF

O projeto de lei que estabelece o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, aprovado no Senado na última quarta-feira (27), pode enfrentar questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) assim que virar lei, sendo considerado inconstitucional. Isso ocorreria caso a corte aplicasse o mesmo entendimento utilizado no julgamento realizado na semana passada, que derrubou a tese.

De acordo com especialistas consultados pela Folha, as análises e decisões do STF e do Congresso em temas semelhantes demonstram disfuncionalidades do Legislativo e geram insegurança jurídica.

O projeto de lei foi aprovado tanto na Comissão de Constituição e Justiça quanto no plenário do Senado no mesmo dia, com uma votação de 43 a 21. Em maio, a proposta havia sido aprovada na Câmara dos Deputados com o apoio da bancada ruralista e do presidente da Casa, Arthur Lira. Esse movimento é visto como parte da ofensiva do Congresso contra o STF, que também abrange a descriminalização da maconha e do aborto.

A próxima etapa é enviar o texto para o presidente Lula, que pode sancioná-lo ou vetá-lo. O Congresso tem o poder de aceitar ou rejeitar possíveis vetos, e a lei é promulgada.

Gustavo Sampaio, professor de direito constitucional da UFF, afirma que é provável que a lei seja questionada por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI). “Uma vez que o projeto de lei seja aprovado pelo Congresso Nacional e seja considerado inconstitucional pelo STF, o Supremo poderá ser acionado para uma nova ação”, explica o professor.

A inconstitucionalidade está no cerne do projeto, que estabelece que as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Dessa forma, indígenas que não estavam em suas terras até essa data perderiam o direito de reivindicá-las.

Mesmo que haja modificações no projeto em tramitação no Congresso em relação ao que foi decidido pelo STF, o texto ainda pode ser considerado inconstitucional. “Se um ponto tiver autonomia em relação ao problema do marco temporal, nada impede que essa parte seja considerada válida à luz da Constituição, mas apenas se a corte entender que não há prejuízo ao elemento central”, explica Sampaio.

Segundo Vera Chemin, advogada constitucionalista e mestre em administração pública, o STF optou por estabelecer uma tese de repercussão geral abrangente, com 13 itens, para lidar com possíveis questões em aberto que possam surgir sobre o tema. Desde 2004, recursos extraordinários, como é o caso da decisão do STF sobre o marco temporal, só são analisados pela corte quando têm efeito para outros casos semelhantes.

Chemin destaca que a tramitação de um projeto de lei que sucede uma decisão do STF sobre o mesmo tema evidencia as disfuncionalidades do Legislativo brasileiro ao longo do tempo. Ela aponta problemas como a omissão legislativa, seja por negligência, falta de tempo hábil ou por decisão de não decidir sobre temas sensíveis como aborto e descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, que ainda estão em discussão devido ao impacto político.

Outro problema é a judicialização, que se tornou regra quando deveria ser exceção. Além disso, há uma rivalidade crescente entre o Legislativo e o Judiciário. “O Legislativo vai querer impor sua vontade com uma nova lei, mas que chegará tarde e será judicializada. Isso reflete essa fragilidade do poder Legislativo”, afirma Chemin.

Portanto, é possível que o projeto enfrente uma batalha judicial no STF e inspire debates acalorados entre Legislativo e Judiciário, repetindo um ciclo vicioso que precisa ser enfrentado para que o país encontre um novo equilíbrio político e jurídico.

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