Oito anos após o rompimento da barragem, estudo revela impactos persistentes e insatisfação dos atingidos em 15 municípios de Minas Gerais.

Um estudo conduzido em 15 municípios mineiros revelou que a população ainda sofre as consequências do rompimento da barragem da mineradora Samarco, que ocorreu há exatamente oito anos. A falta de peixes e a baixa produção agrícola são indicadores de que os danos continuam, o que limita a renda e a alimentação dos afetados. A desvalorização permanente dos imóveis no mercado imobiliário foi citada por 56,31% dos entrevistados. Além disso, mais de um terço afirmou que não teve acesso a programas de reparação e mais de 80% acredita que são necessárias medidas para garantir emprego, renda e saúde.

O estudo foi realizado pela Associação Estadual de Defesa Ambiental (Aedas), uma entidade escolhida pelos próprios atingidos para fornecer assessoria técnica. Cerca de 1.873 pessoas foram ouvidas, pertencentes a aproximadamente 600 famílias. A Agência Brasil teve acesso aos resultados preliminares.

A tragédia ocorreu em 5 de novembro de 2015, quando a barragem da Samarco em Mariana se rompeu, liberando uma avalanche de rejeitos que afetou a Bacia do Rio Doce. A tragédia resultou na morte de 19 pessoas e impactou as populações de dezenas de municípios em Minas Gerais e no Espírito Santo. Até o momento, ninguém foi preso.

Para reparar os danos causados, um acordo foi firmado em 2016 entre o governo federal, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, a Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton. Foi criada a Fundação Renova, responsável pela gestão de mais de 40 programas de reparação. Todas as medidas previstas devem ser financiadas pelas mineradoras.

No entanto, após oito anos, o processo de reparação é marcado pela insatisfação, com milhares de ações judiciais acumuladas. No ano passado, iniciaram-se negociações para um novo acordo que possa resolver o enorme passivo judicial, mas ainda não houve consenso entre as partes.

O estudo realizado pela Aedas, chamado de Registro Familiar, teve como objetivo avaliar os efeitos e as percepções dos atingidos oito anos após o rompimento da barragem. Os dados foram coletados entre junho e setembro com moradores de 15 cidades, incluindo Mariana.

De acordo com o levantamento, a má qualidade da água do Rio Doce está diretamente relacionada aos danos citados pelos atingidos. Aqueles que obtinham renda com a pesca afirmam que não conseguem mais pegar peixes como antes do rompimento da barragem. Além disso, produtores rurais que dependem do Rio Doce para irrigação relataram que suas plantações se tornaram menos resistentes e produtivas.

Os resultados do estudo mostram que 91,94% dos entrevistados afirmaram que suas despesas pessoais ou familiares aumentaram após a tragédia, sendo que 84,89% tiveram aumento nos gastos com alimentação. A Aedas argumenta que esses dados são evidências de que os danos causados pelo rompimento da barragem estão diretamente relacionados à perda de renda e à insegurança alimentar ainda encontradas nas áreas afetadas.

O estudo também analisou os danos sob a perspectiva de gênero. Segundo 75,11% dos entrevistados, as atividades e tarefas realizadas pelas mulheres aumentaram. Para a coordenadora institucional da Aedas, Franciele Vasconcelos, as mulheres não têm sido consideradas como sujeitos autônomos nos processos de reparação. Ela destaca que muitas mulheres eram pescadoras e agricultoras, além de cuidarem da casa e dos filhos. No entanto, as políticas de reparação as veem como dependentes e não reconhecem o trabalho que realizam. Vasconcelos ressalta que as mulheres estão sofrendo dobradamente, sendo afetadas pela tragédia e prejudicadas por sua condição de gênero.

Além disso, o estudo buscou avaliar o alcance das medidas reparatórias e o grau de participação dos atingidos na construção dessas medidas. De acordo com a pesquisa, 75% dos entrevistados afirmaram não ter recebido o auxílio emergencial. Além disso, 97,65% dos núcleos familiares afirmaram não terem sido consultados de forma prévia, livre e informada sobre medidas de reparação relacionadas a emprego e renda.

De acordo com a Fundação Renova, até agosto de 2023, foram destinados R$ 32,66 bilhões a ações de reparação e compensação. Deste valor, R$ 13,17 bilhões foram para pagamento de indenizações e R$ 2,55 bilhões em auxílios financeiros emergenciais, totalizando R$ 15,72 bilhões para 431,2 mil pessoas. A Fundação também menciona projetos sociais, como o Edital Doce e o Fortalecimento de Organizações Locais, que visam ao desenvolvimento comunitário da região.

Para marcar o oitavo aniversário da tragédia, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) lançou a campanha “Revida Mariana”, divulgando histórias pessoais relacionadas à tragédia. Alguns relatos divulgados corroboram os dados levantados pela Aedas. Há relatos de agricultores que perderam seus meios de subsistência e de pescadores que lamentam a falta de peixes.

O MAB também chama a atenção para o 4º Relatório Anual do Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática, elaborado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). O relatório lista 295 impactos ambientais, a maioria deles classificados como diretamente ou indiretamente relacionados ao rompimento da barragem. Os pesquisadores da UFES realizaram o monitoramento de forma independente, financiado pela Fundação Renova como parte das medidas de reparação. Segundo a Fundação Renova, os resultados devem ser interpretados com cautela e integrados a outros estudos para obter um melhor entendimento da situação. A entidade argumenta que os elementos constituintes do material encontrado são os mesmos presentes nos sedimentos naturais da bacia do Rio Doce e afirma que a qualidade da água retornou aos padrões anteriores ao rompimento da barragem.

No entanto, a insatisfação com o processo de reparação persiste e milhares de ações judiciais continuam a ser movidas pelos afetados. As negociações para um novo acordo ainda estão em andamento, sem consenso entre as partes envolvid

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