A difícil equação do Hezbollah: entre Gaza, o Líbano e o conflito com Israel, as variáveis que influenciam suas decisões.




Hezbollah e Israel: um delicado jogo de xadrez

Hezbollah e Israel: um delicado jogo de xadrez

As opções do Hezbollah – manter as hostilidades com Israel no seu nível atual, intensificá-las ou reduzi-las – são regidas por três variáveis importantes. A primeira é a situação em Gaza. Israel quer destruir totalmente o Hamas e recebeu permissão para cometer um genocídio na tentativa de atingir esse objetivo, embora as hipóteses de sua realização sejam muito incertas. Se o Hamas conseguir prolongar a luta, infligir danos significativos ao inimigo e impedir uma vitória total israelense, então o Hezbollah marcará pontos políticos importantes com sacrifícios mínimos, simplesmente mantendo Israel distraído na sua frente norte. O partido poderia assim evitar os perigos de uma escalada e viver para lutar outra guerra num momento mais propício.

A segunda variável é a base de poder do Hezbollah no Líbano, que, junto da maioria da sociedade libanesa, apoia os palestinos, mas hesita em travar uma guerra com Israel. Eles sabem muito bem que, para além de terem perdido as suas economias na crise bancária libanesa de 2019-20, um ataque israelense ameaçaria as suas casas e o que resta das sua infraestrutura nacional vital. O Hezbollah está, compreensivelmente, relutante em pôr em risco e alienar este eleitorado. A última variável é o Irã e os seus interesses, incluindo a aproximação diplomática com a Arábia Saudita e as delicadas negociações com o governo Biden sobre sua tecnologia nuclear e a extensão das sanções dos EUA. A liderança iraniana sabe que ambas seriam abaladas por um conflito regional de grandes proporções – daí a posição cautelosa do presidente Raisi e as suas contínuas linhas de contato com o príncipe herdeiro saudita.

No entanto, à medida que a máquina assassina de Israel abate palestinos aos milhares, cada um destes fatores pode mudar. Se o Hamas parecer estar em perigo existencial, o cálculo para o Hezbollah pode ser diferente – já que a perda deste aliado poderia encorajar Israel a atacar o seu adversário libanês em seguida. Quanto ao povo libanês, não é claro se continuará a dar prioridade às suas casas e bens no meio da proliferação de imagens de sacos de cadáveres palestinos. Será que, em vez disso, estarão dispostos a sofrer junto dos palestinos? Também os iranianos poderão ter de voltar a analisar o equilíbrio entre os seus interesses materiais imediatos e os seus compromissos nominais com a libertação da Palestina. Poderão sentar-se frente a frente com as autoridades norte-americanas enquanto estes aplaudem a imolação de Gaza? Isso não enviaria o sinal errado aos seus outros aliados na região, de que o apoio iraniano é inconstante e pouco confiável?

Se a situação em Gaza se deteriorar ao ponto de o Irã engavetar as suas negociações com os EUA, os países do Golfo azedarem sua relação com Israel e a base do Hezbollah ficar convencida de que o partido não está fazendo o suficiente, isso pode ser um gatilho para o Hezbollah aumentar a escalada. Do mesmo modo, se Israel decidir atacar civis no Líbano e causar grandes baixas, não se pode esperar que Nasrallah fique de braços cruzados. Para o Hezbollah, a intervenção militar é sempre uma estratégia política baseada na aritmética dos ganhos e das perdas e no complexo campo de aliados e dos interesses. O seu próximo passo não será decidido pela influência iraniana ou pela ideologia islâmica, mas pelas exigências do pragmatismo.

(*) Suleiman A. Mourad é historiador do Islã e do Oriente Médio. É professor de religião no Smith College (EUA) e membro associado do Nantes Institute for Advanced Study (França). Sua pesquisa se concentra na história islâmica e no pensamento religioso, em Jerusalém, na ideologia da Jihad e nos desafios da modernidade que levaram a grandes mudanças na percepção e na atitude dos muçulmanos em relação à sua própria história, tradição jurídica e pensamento clássico

(*) Tradução de Raul Chiliani



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