Reforma tributária de 2023: Impactos da tributação do IPVA sobre aeronaves e embarcações após promulgação da Emenda Constitucional 132




Reforma tributária promove mudanças no IPVA para aeronaves e embarcações

Reforma tributária promove mudanças no IPVA para aeronaves e embarcações

No final de 2023, o Congresso Nacional promulgou a reforma tributária, promovendo alterações estruturais no Sistema Tributário Nacional, com a implementação da tributação do tipo IVA (Imposto sobre Valor Agregado), sob o formato dual.

Além dessas expressivas alterações, um imposto bastante conhecido pela população brasileira também sofreu modificações. Trata-se do Imposto sobre a propriedade de veículos automotores, IPVA, cuja principal alteração foi submeter, expressamente, à sua incidência a propriedade de veículos aéreos e aquáticos, como jatinhos e lanchas.

Essa mudança foi justificada pela necessidade de maior justiça fiscal, uma vez que, atualmente, apenas veículos automotores terrestres são tributados pelo IPVA.

De modo mais preciso, o IPVA sobre aeronaves e embarcações já havia sido instituído em diversas unidades da federação. Porém, essas leis estaduais foram consideradas inválidas pelo STF, a partir dos recursos extraordinários RE 134509 e 255111, sob os argumentos de que: 1) o IPVA teria, historicamente, sucedido a Taxa Rodoviária Única, que excluía do campo de incidência as aeronaves e embarcações; 2) a mens legis do poder constituinte, isto é, a intenção da Assembleia Constituinte de 1988 não havia sido a de ampliar o campo de tributação para além dos veículos de transporte terrestre.

Só que, agora, diante da Emenda Constitucional 132/2023 cabe às administrações tributárias se posicionarem perante a seguinte questão: com a expressa inclusão desses veículos aquáticos e aéreos no campo de incidência do imposto, as normas consideradas inválidas pelo STF foram recepcionadas? Ou será necessária a edição de nova legislação estadual instituindo o imposto para que se legitime a cobrança sobre essas modalidades de veículos automotores?

Verdade que, em tese, a legislação anterior é recepcionada pelas alterações constitucionais, desde que não seja incompatível com a nova ordem constitucional. Contudo, no caso específico do IPVA sobre aeronaves e embarcações, a questão é mais complexa. Isso porque, as leis a respeito de cuja recepção aqui se cogita, por força das declarações de inconstitucionalidade do STF, não eram válidas perante a ordem constitucional anterior.

Se tais leis não eram válidas, para se considerá-las recepcionadas pela nova ordem constitucional implementada com a reforma tributária, deve-se partir da premissa da constitucionalidade superveniente, ou seja, de que uma norma inconstitucional, ao tempo de sua edição, pode ser convalidada após se tornar “compatível devido à mudança do parâmetro constitucional”.

Trata-se de um fenômeno jurídico parecido com a repristinação, mas que com ela não se confunde. Na repristinação, o que se tem é uma mudança na Constituição restabelecendo a vigência de uma lei revogada, quando, na constitucionalidade superveniente, estamos falando de uma lei inconstitucional sendo convalidada pela alteração da Constituição.

O problema é que a jurisprudência do STF não admite a constitucionalidade superveniente. Isso significa que uma norma inconstitucional, ao tempo de sua edição, não se torna constitucional apenas porque a Constituição foi alterada posteriormente.

Um grande paradigma desse posicionamento da Suprema Corte foi o julgamento do Recurso Extraordinário nº 390.840-5/MG, sobre base de cálculo de PIS e Cofins. Na ementa do acórdão dessa decisão constou, expressamente, que: “O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente”.

Mais recentemente, vale citar uma outra decisão do STF, bem interessante por se relacionar a um caso de ICMS. Refere-se à exigência do DIFAL nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do imposto. Essa cobrança vinha sendo feita com base no Protocolo Confaz nº 21/2011, que foi declarado inconstitucional no âmbito da ADI 4.628. Mas, posteriormente, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 87/2015, passou a encontrar fundamento na Constituição.

Apreciando a matéria no âmbito do Agravo Regimento no Recurso Extraordinário 683.849, o posicionamento do STF foi claro em afastar a constitucionalidade superveniente, nos seguintes termos: “O advento da Emenda Constitucional no 87/2015 não tornou constitucional o Protocolo Confaz no 21/2011. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite o fenômeno da constitucionalidade superveniente. Por essa razão, o referido ato normativo, que nasceu inconstitucional, deve ser considerado nulo perante a norma constitucional que vigorava à época de sua edição”.

Na mesma esteira caminha o entendimento da doutrina majoritária que, nas palavras do professor Pedro Lenza, esclarece que “tal fenômeno é inadmitido na medida em que o vício congênito não se convalida. Ou seja, se a lei é inconstitucional, trata-se de ato nulo (null and void), írrito, natimorto, ineficaz e, assim, por regra, não pode ser “corrigido”, pois o vício de inconstitucionalidade não se convalida, é um vício insanável, “incurável”.”

Nesse sentido, é possível argumentar que as leis estaduais que previam a incidência do IPVA sobre aeronaves e embarcações, ainda que recepcionadas pela nova Constituição, continuam sendo inconstitucionais. Isso na medida em que, na origem, quando foram editadas, essas leis violaram o entendimento do STF sobre a definição de veículo automotor.

É possível que alguns estados tentem cobrar o IPVA sobre aeronaves e embarcações com base nas leis estaduais anteriores à reforma tributária. No entanto, essas cobranças, muito possivelmente, serão questionadas perante o Poder Judiciário, sendo provável que os tribunais mantenham o entendimento clássico do STF contrário à tese da constitucionalidade superveniente, o que resultará na declaração de inconstitucionalidade dessas cobranças.

Portanto, a melhor solução para essa questão é a edição de novas leis estaduais para instituir o IPVA sobre aeronaves e embarcações. Dessa forma, os estados poderão assegurar a constitucionalidade das normas para cobrança do imposto, evitando possíveis questionamentos judiciais, garantindo uma arrecadação segura e implementando a justiça fiscal pretendida com a reforma tributária.


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