O setor agropecuário busca redução de juros a fim de impulsionar a capacidade de armazenamento de grãos.

Nos últimos dez anos, o Brasil testemunhou um crescimento de quase 70% na produção de grãos, porém, a capacidade de armazenamento desse produto aumentou apenas 30%. Quase como um reflexo desse desequilíbrio, imagens de pilhas de milho estocadas a céu aberto começaram a surgir nos últimos meses, contrariando todas as recomendações técnicas de armazenamento.

Especialistas apontam dois pontos principais que explicam essa situação preocupante. O primeiro é que os juros e créditos oferecidos pelos bancos atualmente não são atrativos o suficiente, incluindo os programas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O segundo é que grandes produtores e cooperativas acabam priorizando investimentos na produção de grãos em detrimento da estrutura de armazenagem.

O armazenamento de grãos é essencial para os produtores. Aqueles que possuem silos em suas propriedades, contratam serviços de terceiros ou dependem de cooperativas conseguem estocar a produção por meses após a colheita e só a escoam quando o preço do produto está mais alto.

Além disso, como os períodos das safras de soja e milho são os mesmos para todos os produtores, o aumento na oferta de grãos faz com que o preço do frete dos caminhões também aumente. Os produtores que possuem capacidade de armazenamento têm a vantagem de esperar e pagar fretes menores até os terminais portuários, onde os grãos geralmente são exportados.

Não é à toa que um levantamento realizado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e pela Universidade de São Paulo (USP) revelou que 70% dos 1.065 produtores entrevistados têm interesse em investir em armazenagem. Dos entrevistados, 61% não possuem estrutura de armazenagem em suas propriedades e, entre aqueles que possuem, 41% obtiveram um lucro de 6% a 20% a mais nas últimas três safras.

No entanto, esse interesse está condicionado a taxas de juros mais baixas. Atualmente, o principal incentivador do aumento da capacidade de armazenagem no país é o BNDES. O Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA), por exemplo, oferece créditos de até R$ 50 milhões com juros de 7% ao ano por até 12 anos. O banco também possui um programa direcionado para cooperativas, o Prodecoop, com uma linha de crédito de até R$ 150 milhões e juros de 11,5% ao ano por um prazo de dez anos. Vale ressaltar que a taxa Selic atualmente está em 13,25%.

No entanto, especialistas afirmam que o primeiro programa não atende os pequenos produtores com tanta efetividade. Isso acontece porque ter silos que comportam 6.000 toneladas (um número muito acima da produção) não é vantajoso para muitos deles, além do fato de que a taxa de juros, apesar de ser menor do que a média do mercado, ainda é alta. De acordo com a CNA, o custo médio de um silo é de R$ 700 por tonelada de grãos. Portanto, um silo de 6.000 toneladas custaria cerca de R$ 4,2 milhões. No entanto, devido à pandemia, esse valor subiu para R$ 10 milhões. Além disso, a operação dessas estruturas demanda gastos e uma administração muito eficiente.

O segundo programa do BNDES também não consegue atender às grandes cooperativas. A cooperativa C.Vale, uma das maiores do país, afirma que os R$ 150 milhões oferecidos não são suficientes nem para a construção de duas unidades de armazenagem de grande porte. Portanto, a solução seria buscar crédito em bancos privados, que cobram juros muito mais altos do que os oferecidos pelo banco público.

Em resposta às críticas, o BNDES argumenta que suas condições são atrativas “uma vez que as taxas de juros dos demais programas agropecuários do governo federal podem chegar a até 12,5% ao ano”. Segundo o banco, os pequenos produtores foram responsáveis por 68% das operações aprovadas em julho e receberam 36% do valor total financiado. O restante foi direcionado, em sua maioria, para as cooperativas.

A capacidade de armazenagem no Brasil tem crescido lentamente, mesmo com taxas de juros mais baixas. Em 2020, quando a taxa Selic estava no menor patamar da história do país, o BNDES cobrava 5% ao ano dos produtores no PCA, enquanto o mercado oferecia, em média, juros de 8,3% ao ano. Mesmo assim, o aumento na capacidade de armazenagem entre 2020 e 2021 foi inferior a 2%, número semelhante ao registrado entre 2022 e 2023.

Ana Luiza Zodi, especialista em inteligência de mercado da consultoria Stonex, ressalta que a construção de silos é um investimento de longo prazo, o que pode ser arriscado para os produtores. Diferentemente do investimento em custeio de safra, que pode gerar lucro em poucos meses, a estrutura de armazenagem leva mais tempo para trazer retorno. Por esse motivo, muitos produtores optam pela segunda opção.

De acordo com a Stonex, em média, os produtores já possuem cerca de 40% da safra de soja negociada no início do ano. No entanto, em 2023, as negociações estavam entre 20% e 25%, devido à preferência dos produtores por aguardar o aumento do preço. Essa estratégia resultou em uma grande quantidade de grãos no mercado, evidenciando ainda mais a falta de armazenagem.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que o país produza 320 milhões de toneladas de grãos na safra de 2023, enquanto a capacidade de armazenagem é de apenas 175 milhões de toneladas. Essa disparidade reforça a urgência de investimentos nessa área para evitar prejuízos e desperdícios.

Em conclusão, o Brasil enfrenta um déficit alarmante na capacidade de armazenamento de grãos, mesmo com o aumento significativo na produção. Os produtores e cooperativas reconhecem a importância desse investimento, porém, a falta de incentivos financeiros adequados tem limitado o avanço nessa área. É crucial que sejam implementadas políticas e programas de crédito mais acessíveis, especialmente para os pequenos produtores, a fim de melhorar a infraestrutura de armazenagem e garantir a sustentabilidade do agronegócio brasileiro.

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