Crianças invadem lojas de luxo de cosméticos e preocupam adultos e adolescentes – o que está por trás desse fenômeno?



Consumo de produtos de beleza por crianças de 10 a 12 anos preocupa adultos e adolescentes

Consumidores de produtos de beleza, adultos e adolescentes, vêm se queixando cada vez mais nas redes sociais que meninas com menos de 12 anos de idade estão invadindo lojas de cosméticos de luxo, como a Sephora e a americana Ulta Beauty.

No TikTok e no Instagram, as hashtags #sephora e #sephorakids revelam o conflito com força total.

Elas mostram lojas e balcões de produtos bagunçados e descrevem invasões de jovens consumidoras que teriam sido grosseiras com outros clientes e com os funcionários.

As queixas relatam que as meninas chegam a arrancar produtos das mãos de outras compradoras, como mostrou uma usuária do TikTok.

A marca específica do produto em questão é Drunk Elephant (“Elefante bêbado”, em português), que a revista Glamour chamou recentemente de “obsessão entre as meninas de 10 a 12 anos”.

Muitas dessas postagens nas redes sociais viralizaram.

Elas demonstram que a geração alfa (nascidos a partir de 2010) está comprando produtos que contêm ingredientes como retinol, potentes ácidos esfoliantes, umectantes caros, tinturas e soros projetados para minimizar os efeitos do envelhecimento —ou seja, produtos tradicionalmente destinados a consumidores mais velhos.

O conglomerado japonês Shiseido comprou em 2019, por US$ 845 milhões (cerca de R$ 4,16 bilhões), a marca Drunk Elephant —que se autodefine como “clean beauty” (“beleza limpa”, em português), mercado de cosméticos livres de ingredientes como sulfatos, silicone, parabenos e corantes, não testados em animais e com embalagens mais sustentáveis.

A marca reagiu a toda essa atenção explicando no Instagram, em dezembro passado, quais dos seus produtos seriam especificamente recomendados para crianças.

À medida que campanhas de marketing e influenciadores de beleza atraem consumidores para as seções de cosméticos, as crianças estão realmente invadindo as lojas e levando para casa todo o ácido hialurônico que suas mãozinhas conseguem carregar, como sugerem os usuários das redes sociais e a aparente popularidade dos produtos?

“Sim, as crianças não estão só invadindo as lojas da Sephora. Elas estão fazendo muitas compras desses produtos online”, segundo o professor de marketing Denish Shah, da Escola de Negócios Robinson da Universidade Estadual da Geórgia, nos Estados Unidos. “Esta categoria, de forma geral, está observando um enorme aumento das vendas.”

Shah cita a marca de cosméticos e.l.f., da Califórnia, nos Estados Unidos. Ele conta que, como empresa de capital aberto, os preços das ações da e.l.f. têm se mantido “fora dos padrões” nos últimos tempos.

Ao longo do ano passado, o preço das ações da e.l.f. disparou em 203%, segundo o site MarketWatch. E essas cotações elevadas são o resultado direto do enorme crescimento de vendas da empresa.

“As vendas da companhia aumentaram exponencialmente no ano passado e isso é significativo, pois eles se posicionam como cosméticos realmente acessíveis”, explica Shah.

“E, se você observar seus esforços de marketing, todos eles se dirigem ao grupo demográfico das crianças de 10 a 12 anos.”

A promoção de produtos para um grupo demográfico mais jovem pode estar simplesmente relacionada ao crescimento geral verificado no setor, mas Shah afirma que a conexão existe —e a e.l.f. é apenas um exemplo do fenômeno dos cosméticos e produtos para a pele entre crianças com 10 a 12 anos de idade como um todo.

Muitas empresas do setor de produtos de beleza e cuidados com a pele estão buscando clientes cada vez mais jovens e obtendo com isso um gigantesco volume de vendas, segundo Shah.

Dados do portal Statista mostram que o mercado de produtos para a pele de crianças e bebês deve apresentar uma taxa de crescimento anual de cerca de 7,71% até 2028, quando irá atingir o volume de mercado de US$ 380 milhões (cerca de R$ 1,87 bilhão) em todo o mundo.

Produtos para bebês

A questão não são apenas as crianças experimentando os cremes das suas mães. Na verdade, a indústria está se expandindo para atingir consumidores de uma faixa de idade mais ampla.

“O mercado está crescendo com muita rapidez. Existem muitas marcas novas lançando [produtos] especificamente para meninas entre 10 e 12 anos de idade”, afirma Jessica DeFino, criadora da newsletter The Unpublishable (“O Impublicável”, em tradução livre), dedicada aos bastidores da indústria da beleza.

DeFino cita diversas marcas de cosméticos e produtos para a pele que lançaram produtos específicos, não só para crianças de 10 a 12 anos, mas para grupos demográficos mais jovens, nos últimos anos.

Pais de bebês talvez já tenham ouvido falar da Yawn, uma empresa americana que oferece maquiagem e produtos para a pele para clientes a partir dos 3 anos de idade.

Já a Bubble, que se autointitula o “novo cuidado da pele na escola”, oferece produtos de textura para a pele e de combate à acne desde 2020.

Eles são agora vendidos na cadeia americana de lojas de beleza Ulta e em farmácias nos EUA.

A Gryt, lançada em 2023, afirma que seus produtos são destinados a crianças e adolescentes a partir dos dez anos de idade, mas podem ser usados até por crianças de oito anos.

“Tenho observado uma explosão de produtos para crianças”, afirma DeFino. “Também observo cada vez mais meninas usando produtos para adultos antes da adolescência… Do ponto de vista comercial, o marketing está aí. Essas faixas etárias mais jovens estão sendo ativamente trabalhadas.”

E não são apenas as lojas específicas de cosméticos. Redes de farmácias americanas, como a CVS e a Walgreens, passaram por renovações nos últimos anos para colocar os produtos de beleza em posição de destaque.

Estes produtos incluem cosméticos promovidos ativamente para crianças, empregando programas de TV e livros infantis nas suas estratégias de marketing.

Muitas dessas farmácias de produtos gerais são onde as crianças têm suas primeiras experiências de compras com os pais, muito antes de terem idade para visitar lojas especializadas como a Sephora sozinhas.

O marketing das marcas de cosméticos para crianças se apresenta de diversas formas, segundo DeFino.

Além de criar especificamente produtos destinados a atrair consumidores mais jovens, ela afirma que o marketing destinado a esse público vem se proliferando pelas redes sociais.

Isso inclui um número crescente de pré-adolescentes que demonstram como usar esses produtos para seus seguidores. São “skinfluencers”, influenciadores de cuidados com a pele.

Legado pós-pandemia

Tudo isso ocorre em um momento em que as crianças passam cada vez mais tempo nas redes sociais, depois de ficarem confinadas durante a pandemia.

Essas crianças estão entre os maiores consumidores de certas plataformas de redes sociais, segundo Shah, que é diretor fundador do Laboratório de Inteligência de Redes Sociais da Universidade Estadual da Geórgia.

Todo este tempo passado nas redes sociais expõe esses jovens usuários a influenciadores pagos por marcas para usar e promover produtos de beleza e para a pele.

E algoritmos cada vez mais sofisticados alimentam essa exposição, apresentando influenciadores e recomendações de beleza aos usuários, depois de algumas poucas pesquisas sobre o tema.

Acrescente-se o fato de que pré-adolescentes e adolescentes se preocupam com a aparência —e temos uma “tempestade perfeita”.

“As crianças se preocupam com a aparência pessoal”, afirma Shah. “Elas são muito autoconscientes sobre como seus corpos em crescimento irão se transformar e sobre sua identidade pessoal em desenvolvimento.”

“Existe muita sensibilidade a este respeito e isso existe há décadas. Estes dois fatores combinados são o que realmente determina as vendas nesses grupos demográficos mais jovens”, prossegue o professor.

As duas marcas se recusaram a comentar o assunto, mas o mercado de produtos dirigidos aos jovens está em expansão —e esses produtos são vendidos nas duas lojas.

Mesmo se os dados sobre o aumento dos consumidores de produtos de beleza não incluírem a idade dos clientes da Drunk Elephant, Denish Shah tem outro argumento muito convincente sobre a mudança do marketing no setor de cosméticos e produtos para a pele. E muitos pais estarão de acordo com ele.

“Minha própria filha foi influenciada. Ela pediu esses produtos de presente e nunca tinha feito isso antes.”

Este texto foi publicado originalmente aqui Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.


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