Em tempos de pandemia, a mortalidade nos faz refletir sobre a vida – uma oportunidade de renascer e valorizar o que realmente importa.

Depois de três tentativas de engravidar, Ruth decidiu que bastava. O tratamento hormonal era pesado e pensar em passar por isso outra vez a desesperou. “Chega, Juca. Acabou. Hora da gente falar de adoção”, ela disse ao marido na mesa do café da manhã enquanto ele se servia de suco. Juca fez uma expressão de tristeza, mas sabia que aquela decisão não era sua. Levou o copo à boca, em seguida colocou sua mão sobre a de Ruth e disse que a amava. Nessa noite, transaram sem se preocupar com mais nada.

Passadas algumas semanas, processo de adoção encaminhado, Juca voltou mais cedo do trabalho reclamando de cansaço e calafrios. Por todos os lados falava-se em um vírus que poderia ser fatal e estava chegando ao Brasil. Os dois se desesperaram.

Juca teve uma noite complicada e, antes mesmo de o Sol nascer, Ruth o levou ao PS. Ele foi internado de imediato. O noticiário pedia que as pessoas não saíssem de casa, que usassem máscara, que só se dirigissem a um hospital em casos de emergência. Na sala de espera, Ruth chorou. Algumas horas depois, a informação de que ele estava com Covid se confirmou. Ruth não poderia mais vê-lo até que os médicos autorizassem. Sugeriram que ela se testasse e Ruth descobriu que também estava contaminada, mas sem sintomas. No dia seguinte, o hospital ligou para dizer que o marido seria intubado. Ruth saiu correndo.

No hospital, pediu para falar com Juca antes de ele ser levado. Os médicos recusaram, mas uma das enfermeiras, notando a tristeza de Ruth e sabendo que ela talvez nunca mais visse o marido, a conduziu até o quarto. Juca estava sozinho e consciente. Pediu que Ruth fechasse a porta e se deitasse com ele. Abraçados, choraram sem dizer nada. Ele foi levado e Ruth voltou para casa. Algum tempo depois, ela começou a se sentir mal e teve certeza de que estava outra vez contaminada. Ficou em casa isolada e desesperada. Como não melhorava, foi ao médico. Com uma mistura de choque e êxtase, soube que estava grávida: quase quatro meses. Ela jurava que a ausência de menstruação era culpa do tratamento hormonal. Nem fértil ela estava na noite em que fez amor com Juca. Que maluquice, pensou.

Não muito tempo depois, Ruth recebeu um telefonema do hospital: pediam que fosse até lá. Juca havia piorado e eles queriam saber se ela gostaria de se despedir do marido. Ruth disse que sim. Ao lado do parceiro de uma vida, pegou a mão do marido e a levou até sua barriga. “Não vai ainda, meu amor. Fica, para conhecer nossa filha”, sussurrou aos prantos. Uma enfermeira a segurou pelo ombro e explicou que era hora de ir embora. Ruth não sabe como chegou em casa.

Maria nasceu um pouco antes do previsto com mais de três quilos no mesmo hospital e no mesmo dia em que Juca foi extubado. Ele abriu os olhos, murmurou pela mulher e a enfermeira que levou Ruth para se despedir do marido no dia da intubação foi quem disse a ele que Ruth viria vê-lo ao anoitecer.

Ruth chegou numa cadeira de rodas com Maria no colo. Fraco, confuso, sem conseguir se mexer ou falar, Juca fez a única coisa que estava ao seu alcance: fechou os olhos e chorou como até aquele dia ainda não tinha chorado.

Domingo passado, Juca celebrou seu terceiro dia dos pais. Pai de Maria, que chegou via parto, e de Mirela, que chegou via adoção. A família passa bem.

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