Há 50 anos, estudante de Direito é assassinado pela ditadura militar em Recife

Há exatamente meio século, a ditadura militar ceifava a vida de José Carlos da Mata Machado, conhecido como Zé Carlos, um jovem estudante de Direito que lutava contra o regime. Ele foi torturado e assassinado em Recife, sendo que seu corpo foi posteriormente enviado à família em Minas Gerais, depois de denúncias e grande repercussão do caso. Zé Carlos foi uma das poucas vítimas da ditadura que pôde ser enterrada por familiares.

Em uma entrevista à Agência Brasil, seu irmão Bernardo Mata Machado, de 70 anos de idade, relembrou esse triste episódio. Ele descreve Zé Carlos como um homem corajoso, que tinha como princípios fundamentais a liberdade e a igualdade. Bernardo contou sobre o doloroso momento em que o corpo foi enterrado em Belo Horizonte, no Cemitério da Colina. Poucas pessoas compareceram ao enterro, por medo das represálias durante o governo do presidente Garrastazu Médici.

Zé Carlos, militante da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), já havia sido preso anteriormente durante o Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado em Ibiúna (SP), no ano de 1968. Ele passou 8 meses nas celas do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de Belo Horizonte. O jovem chegou a ocupar a vice-presidência da UNE e foi presidente do Centro Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde ingressou como primeiro colocado no vestibular realizado em 1964.

O corpo de Zé Carlos foi inicialmente enterrado em Recife, local onde ele foi torturado e morto em 28 de outubro de 1973, no Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi). No entanto, graças aos esforços da família e da advogada Mércia Albuquerque Ferreira, o corpo foi posteriormente exumado e levado a Belo Horizonte. Mércia, que já faleceu, registrou em diário os detalhes da exumação que acompanhou na época.

O pai de Zé Carlos, Edgar Godoy da Mata Machado, foi um deputado federal cassado durante a ditadura e também foi senador na década de 1990. Bernardo relembra que o corpo de Zé Carlos chegou a Belo Horizonte em um avião, com autorização das Forças Armadas. O caixão estava lacrado e os militares proibiram sua abertura. O enterro ocorreu em 15 de novembro.

Após ter acesso aos relatos da advogada Mércia, Bernardo compreendeu a determinação dos militares em proibir a abertura do caixão. Segundo Mércia, o corpo de Zé Carlos estava em estado deplorável, sendo até mesmo descrito como um verdadeiro patê, com todas suas características físicas desfiguradas.

Durante a época da ditadura, a família de Zé Carlos soube de sua morte através de uma nota oficial transmitida pela televisão. A versão oficial do regime militar, divulgada pelos jornais da época, afirmava que Zé Carlos teria morrido em um tiroteio entre colegas de militância.

Nos dias atuais, especialistas afirmam que a democracia brasileira ainda enfrenta ameaças e tentativas de golpe, mesmo após o fim do regime militar. Essas tentativas se dão de forma mais sutil, por meio de manipulação de instituições, como a Justiça, para atingir adversários políticos.

A defesa da democracia implica na defesa da cidadania plena e na participação efetiva de todos na política do país. Atualmente, vive-se em um contexto no qual esses direitos não são garantidos, o que fragiliza a democracia. Além disso, em todo o processo de redemocratização do país, não houve uma política de reparação às vítimas da ditadura nem a responsabilização e punição dos responsáveis pelos crimes cometidos.

A trajetória de Zé Carlos foi retratada em um livro do jornalista Samarone Lima, que serviu de base para o filme “Zé”, dirigido por Rafael Conde. O longa-metragem narra os últimos anos de vida do militante e será exibido neste sábado (28), no Cine Santa Tereza, em Belo Horizonte, como parte da Semana Zé, organizada para lembrar os 50 anos de sua morte.

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