Encontro badalado em bar parisiense transforma workshop sobre clima em evento concorrido entre brasileiros.

Em uma noite recente de verão no centro de Paris, um bar brasileiro da moda foi o local escolhido por algumas pessoas que estavam em busca de entretenimento. Ao entrar no estabelecimento, os clientes puderam desfrutar de música bossa nova e caipirinhas, mas a surpresa estava reservada nos fundos do bar. Uma escada de madeira levava a uma pequena sala onde uma mesa coberta por cartões impressos com gráficos explicativos sobre a ciência por trás do aquecimento global chamava a atenção.

O responsável pela recepção do grupo foi um jovem, que os recebeu com um sorriso e disse: “Sejam bem-vindos. Vamos nos divertir”.

Nas três horas seguintes, o grupo utilizou os cartões para reconstruir a cadeia do aquecimento global, buscando compreender fenômenos como forçamento radiativo e acidificação oceânica. Em seguida, debateram sobre a possibilidade de limitar as viagens aéreas, que consomem muita energia, e o desenvolvimento da energia nuclear.

O evento em questão era o “Climate Fresk”, um workshop organizado por uma ONG homônima que tem como objetivo ensinar os conceitos básicos do aquecimento global e destacar possíveis soluções. Esses workshops têm se mostrado uma alternativa descolada para uma noite fora de casa e já atraíram mais de 1 milhão de participantes na França.

Desde o início do projeto, em 2018, o “Climate Fresk” tem conquistado cada vez mais adeptos tanto do público em geral quanto de empresas privadas que desejam incentivar as pessoas a agirem em prol do meio ambiente. A França se comprometeu a reduzir suas emissões de carbono e a diminuir drasticamente o desperdício. Com isso, grandes universidades, empresas e até mesmo alguns órgãos governamentais estão enviando cada vez mais estudantes, funcionários e servidores públicos para participarem desses workshops.

A popularidade do “Climate Fresk” não se restringe apenas à França, mas também tem se expandido para outros países. O workshop já foi traduzido para cerca de 50 idiomas e aproximadamente 200 mil pessoas já participaram fora do território francês, incluindo os Estados Unidos.

Alguns ativistas e especialistas ambientais criticam o workshop por não ir além do básico e não questionar as decisões políticas e econômicas que aceleram as mudanças climáticas.

No entanto, Cédric Ringenbach, criador do “Climate Fresk”, defende o workshop, afirmando que ele se concentra na ciência por trás das mudanças climáticas e permite que os participantes formem suas próprias opiniões.

“Não é o cartaz que vai desafiar o paradigma político-econômico”, disse Ringenbach. “São os próprios participantes que chegam a essas conclusões. Nós estamos aqui para abrir o caminho.”

O workshop é baseado em relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), um órgão da ONU. Utilizando 42 cartões que representam as diversas fases das mudanças climáticas, desde o uso de combustíveis fósseis até o derretimento das geleiras, os participantes são orientados por um facilitador para organizarem esses cartões em uma folha de papel grande, de modo a visualizar as causas e consequências das mudanças climáticas.

A tarefa não é fácil, como relatou Ariane Prin, participante do workshop no bar brasileiro. Ela se deparou com um cartão que apresentava gases de efeito estufa pouco conhecidos que aquecem o planeta.

Enquanto discutia com os outros participantes sobre o ciclo da água e a interrupção desse processo, Prin conseguiu perceber a preocupação estampada nos rostos de todos enquanto eles posicionavam os cartões que mostravam imagens impactantes de enchentes e secas. Eles também traçaram setas entre os cartões para ilustrar as conexões entre o desmatamento e as emissões de dióxido de carbono. O título do cartaz criado pelo grupo foi “O Mapa da Consciência”.

“Diante deste mapa, nós nos sentimos tão pequenos”, disse Prin. “Mas ao mesmo tempo nos sentimos empoderados, porque já aprendemos muito.”

A crescente popularidade dos workshops “Climate Fresk” reflete o interesse cada vez maior na França em compreender as alterações ambientais que afetam o país, desde os incêndios incontroláveis no sul até a elevação do nível do mar, que está causando a erosão das praias na Normandia. O livro mais vendido na França no ano passado foi uma história em quadrinhos sobre a crise climática, intitulada “Le Monde Sans Fin” (o mundo sem fim), que vendeu mais de 500 mil cópias.

Vários participantes afirmaram que o workshop os inspirou a agir, seja reduzindo o consumo de carne, uma importante fonte de emissões de gases do efeito estufa, seja pressionando seus empregadores a adotarem práticas mais ecológicas.

O sucesso do “Climate Fresk” também se deve à sua facilidade e acessibilidade. Os modelos para a produção dos cartões estão disponíveis gratuitamente online, e a formação para se tornar um facilitador leva apenas algumas horas.

O interesse pelos workshops tem sido tão grande que eles agora fazem parte das aulas introdutórias de várias universidades de elite na França, além de serem promovidos por grandes empresas como o banco BNP Paribas. O governo francês está avaliando a possibilidade de incluir o workshop em um plano para, até o final de 2024, treinar os 25 mil funcionários públicos de alto escalão do país sobre a transição verde.

Claire Landais, secretária-geral do governo, destacou a importância de ensinar seus colegas funciobários sobre a questão climática, pois serão eles que colocarão as políticas climáticas em prática. Ela participou de uma formação inicial no ano passado, que incluiu o “Climate Fresk”, e descreveu o workshop como “muito enriquecedor e denso”.

O objetivo de Ringenbach é “conquistar o triângulo vencedor” – cidadãos, empresários e políticos – para obter impulso suficiente na luta contra as mudanças climáticas.

No entanto, há críticas de que o workshop pode ser usado por empresas como uma forma de “greenwashing”, ou seja, uma maneira fácil de alegar preocupação com as mudanças climáticas, sem realmente fazer muito para enfrentá-las.

Um relatório de 2022 de organizações não-governamentais revelou que o BNP Paribas, por exemplo, se orgulha de ter treinado milhares de funcionários com o workshop, mas ainda é um dos maiores financiadores mundiais de projetos de combustíveis fósseis.

Eric Guilyardi, climatologista e presidente da organização ligada à ONU Escritório para a Educação Climática, que promove a educação climática em escolas ao redor do mundo, afirmou que o “Climate Fresk” se tornou uma abordagem simplista para questões ambientais.

Para Stéphane Lambert, responsável pelo desenvolvimento do “Climate Fresk” no BNP Paribas, as acusações são infundadas. Ele argumenta que o workshop contribuiu para os planos do governo de reduzir o apoio aos combustíveis fósseis. O banco anunciou em maio que até 2030 reduzirá em 80% seu financiamento para exploração e produção de petróleo.

Ao final do workshop no bar brasileiro em Paris, os participantes se reuniram para uma foto. Posicionaram-se atrás de seu cartaz colorido, coberto com desenhos que expressavam esperança e medo: florestas exuberantes e casas inundadas, mares repletos de peixes e um tornado.

“Devemos sorrir?”, perguntou Prin. “Ou chorar?”

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo